Site argentino é processado na Polônia sob nova lei do Holocausto


                                                       Alliance/DPA

          Memorial em Jedwabne lembra massacre de centenas de judeus em vilarejo polonês

Portal do jornal "Página 12" é primeiro meio de comunicação denunciado sob polêmica nova lei polonesa que proíbe acusar povo ou Estado da Polônia de responsabilidade ou cumplicidade por crimes do Holocausto.

Um dia após a sua entrada em vigor, a polêmica lei polonesa sobre Holocausto serviu de base para um primeiro processo judicial.

A conservadora Liga Polonesa contra a Difamação (RDI) entrou com queixa contra o site do jornal argentino Página 12,  sexta-feira (02/03), porque teria "causado danos à nação polonesa" numa reportagem sobre um ataque contra judeus num vilarejo polonês durante a Segunda Guerra, controlado então pelos nazistas.

A legislação polonesa sobre o Holocausto, que entrou em vigor na última quinta-feira e provocou fortes reações internacionais, especialmente nos EUA e Israel, pode punir com multas e até três anos de prisão alegações que, "de forma aberta e contrária aos fatos", atribuam à nação polonesa ou ao seu povo culpa por crimes do Terceiro Reich.

A denúncia da RDI se refere a um artigo do Página 12 sobre o massacre de judeus no vilarejo de Jedwabne, que contou com a participação de cidadãos poloneses. O portal ilustrou a reportagem com uma foto de combatentes da oposição polonesa anticomunista no pós-guerra – isso desagradou à RDI.

A queixa afirma que a informação foi ilustrada "de forma tendenciosa" com uma imagem que não corresponde aos eventos narrados, uma vez que a fotografia mostra os cadáveres de quatro membros da resistência polonesa anticomunista após a Segunda Guerra Mundial.

O RDI acusa a mídia argentina e seu autor, o jornalista Federico Pavlosky, de "manipulação" com o objetivo de "prejudicar a nação polonesa e a imagem dos soldados poloneses" e de tentar "conscientemente enganar" seus leitores a fazer "credível a tese do antissemitismo polonês".

O artigo fui publicado em 18 de dezembro e abordou os eventos em Jedwabne, conforme descritos no livro Vizinhos do controverso historiador polonês-americano Jan Gross. Nesse trabalho de 2001, o autor afirmou que os "gentis" habitantes daquele vilarejo trancaram num palheiro cerca de 1.600 vizinhos judeus, incluindo mulheres e crianças, e os queimaram vivos diante do impassível olhar das forças de ocupação nazistas.

De fato, em 2001, o então presidente da Polônia, Aleksander Kwasniewski, pediu perdão oficialmente pelo massacre acontecido no vilarejo no nordeste polonês, numa cerimônia transmitida pela TV e realizada no local em que se situava o galpão no qual os judeus foram queimados vivos. 

Críticas de Israel

Os israelenses receiam que o governo nacional-conservador em Varsóvia queira negar qualquer envolvimento dos poloneses na denúncia e entrega de judeus às forças de ocupação alemãs. Também a data da aprovação da lei, em 26 de janeiro, véspera do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, foi tomada como provocação.

Apesar das críticas internacionais, a lei foi aprovada em regime de urgência pelo Senado e assinada pelo presidente polonês, Andrzej Duda. Porém, ele expressou compreensão pelas censuras israelenses e enviou a legislação para avaliação do tribunal constitucional da Polônia. Um veredicto deve ser conhecido em até dois meses. Reformado em 2015, o tribunal é tido como alinhado ao governo conservador.

A tentativa desastrada do primeiro-ministro Mateusz Morawiecki de defender a legislação na Conferência de Segurança de Munique piorou ainda mais as coisas. Indagado por um jornalista, Morawiecki, que é o historiador, disse que, pela nova lei, não seria um crime dizer que "houve perpetradores poloneses, da mesma forma que também houve perpetradores judeus, russos, ucranianos e não somente alemães."

Em reação, o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, comentou que o primeiro-ministro polonês falava como um típico negador do Holocausto e acusou Morawiecki de falta de sensibilidade perante a tragédia sofrida pelos judeus.

Na mesma noite após o escândalo, o gabinete do primeiro-ministro polonês publicou uma declaração afirmando que as palavras de Morawiecki não seriam de forma alguma uma negação do Holocausto, mas deveriam ser entendidas como "um apelo a um debate honesto sobre os crimes praticados contra os judeus, respeitando os fatos e independentemente da nacionalidade" dos criminosos.

Oficialmente, o ministro polonês da Justiça, Zbigniew Ziobro, disse em entrevista à agência de notícias polonesa PAP que a decisão do tribunal constitucional ajudará os promotores na aplicação da nova lei. Ziobro assegurou, ao mesmo tempo, que "não haverá penalidades para historiadores, cientistas ou jornalistas" e que a nova legislação "deverá proteger o Estado e o povo polonês como um todo contra falsas acusações de cumplicidade em crimes alemães".

(Com a DW)

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