Filme sobre impeachment não ganhou prêmio no Bernilale

                                                                                   
         
                                    Fake news brasileira em Berlim


Rui Martins (*)

Sou jornalista old fashion, que tem dificuldade para contemporizar e, em matéria de cinema, não sabe fazer o jogo dos interesses de produtores ou realizadores, mesmo porque não preciso agradar este ou aquele para retornar no próximo ano ao Festival Internacional de Cinema de Berlim, a Berlinale.

E é meu dever informar que, neste ano, houve fake news brasileira na Berlinale. Para quem não sabe, fake news quer dizer notícia falsa; e foi justamente uma notícia falsa sobre um prêmio da Berlinale que pipocou no Brasil, divulgada em alguns jornais e blogs por interesse político.

Trata-se de algo inacreditável, quando se sabe e se conhece a dedicação, o esforço, o cansaço dos jornalistas presentes no Festival de Berlim para transmitir aos leitores de seus jornais ou blogs uma primeira impressão correta sobre os filmes vistos.

No domingo (25/02) de manhã, já enviado meu texto, dei uma volta pela Internet e logo nos primeiros cliques levei um susto. Jornais e blogs formadores de opinião até da grande imprensa noticiavam com destaque que um filme brasileiro tinha sido premiado na Berlinale.

Eu tinha comigo a relação dos prêmios oficiais e a relação dos prêmios de júris independentes, sabia, portanto, haver um erro. Seria voluntário esse erro, motivado por uma patriotada do tipo o Brasil é mesmo o maior e o melhor, ou uma fake news, uma notícia falsa política?

Tratava-se do documentário O processo, da braziliense Maria Augusta Ramos, sobre o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Filme que destaquei para o Observatório da Imprensa, em janeiro, ao me chegar a notícia de ter sido selecionado para a mostra Panorama do Festival de Cinema de Berlim.

E qual era a notícia fake? A de que o documentário havia sido escolhido pelo público como o melhor filme da mostra Panorama.

Antes era só a imprensa sensacionalista que inventava coisas

O prêmio do público na mostra Panorama não faz parte dos prêmios oficiais do Festival de Berlim. Está incluído entre os prêmios independentes. Há três anos, a brasileira Anna Muylaert ganhou esse prêmio com o filme Que horas ela volta?, apresentado nessa mostra. Esse filme obteve grande sucesso aqui na Europa. Cheguei mesmo a escrever um comentário bastante elogioso, pois denuncia a semi-escravidão das domésticas.

Porém, o documentário O Processo, mesmo tendo sido bastante aplaudido, não ganhou o prêmio do público, pois os espectadores da mostra Panorama (que exibiu seus filmes durante uma semana) preferiram votar numa coprodução anglo-americana, na categoria ficção; e num filme espanhol, na categoria documentário.

Então, por que noticiar uma vitória que não houve e fazer circular uma notícia falsa ou fake news, pensando que ninguém iria perceber? Porque o documentário mostra o impeachment de Dilma e noticiar que o público alemão teria votado nesse filme reforçaria a ideia de uma condenação da destituição de Dilma (como comentou o Conversa Afiada) pela Europa.

No final da tarde de domingo alguns websites fizeram uma retificação — o documentário não havia ganhado o prêmio mas fora o terceiro colocado.

A emenda saiu pior que o soneto — o prêmio do público é para o filme mais votado pelos espectadores, não supõe classificação dos votos. Só há um ganhador em ficção e só há um ganhador em documentário. O processo não foi o mais votado, acabou, pronto!

Ainda ontem (26/02), alguns blogs corrigiram para exibido documentário sobre impeachment na Berlinale. Decidi fazer esse comentário porque não podemos permitir que a paixão política provoque a distorção de notícias. Já bastam, já são suficientes as fakes news e as mentiras circulando nas redes sociais.

E para não haver dúvida ou exploração — sou de esquerda mas não concordo, não aceito e não tolero a inverdade e a distorção da verdade como método de propaganda política.

(*) Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI.

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(Com o Observatório da Imprensa)

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