A hora de tirar 1746 crianças de presídios

                                   

O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu um habeas corpus coletivo que transformará em prisão domiciliar a prisão preventiva (sem condenação) de presas gestantes, com filhos com até 12 anos ou com deficiência. A medida deve beneficiar ao menos 4.560 mulheres e 1.746 crianças que estão em presídios de todo o país, nas contas do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), que entrou com a ação coletiva no órgão.

A reportagem é de Talita Bedinelli, publicada por El País, 20-02-2018;

A decisão foi classificada como "histórica" pelo ministro Celso de Mello, que ressaltou que será um marco significativo na evolução do tratamento que o Supremo tem dispensado aos direitos fundamentais das pessoas. A decisão não beneficiará presas que praticaram crimes com violência ou grave ameaça e contra seus descendentes. Ela deve ser implementada em todo o país em até 60 dias.

A decisão do STF é uma resposta ao habeas corpus 143.641, protocolado em maio do ano passado pelo coletivo de advogados e apoiado por diversas entidades, entre elas a Pastoral Carcerária, defensorias públicas de diversos Estados e o Instituto Alana, uma ONG que defende os direitos das crianças. 

O pedido das organizações se baseia no Marco Legal da Primeira Infância, aprovado em 8 de março de 2016, que amplia o direito de se substituir a prisão preventiva por domiciliar nos casos de gestantes ou mulheres com filhos até 12 anos para manter o convívio entre filhos e mães, muitas vezes as únicas responsáveis pelas crianças.

"Manter crianças juntas com suas mães dentro de prisões ou separá-las prejudica severamente o desenvolvimento infantil, gera um estresse tóxico prejudicial para o cérebro e viola a regra da prioridade absoluta do melhor interesse das crianças brasileiras prevista na Constituição”, afirmou, em nota, Pedro Hartung, coordenador do programa Prioridade Absoluta do Instituto Alana.

Ricardo Lewandowski, relator do caso no STF, ressaltou em seu voto que a situação dos presídios brasileiros é degradante. "Temos cerca de 2.000 pequenos brasileirinhos que estão atrás das grades com suas mães, sofrendo indevidamente, contra o que dispõe a Constituição, as agruras do cárcere." 

Ele destacou ainda que a situação é um descumprimento flagrante do artigo 227 da Constituição Federal pelas autoridades prisionais do país. De acordo com este artigo, é dever do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de crueldade.

A decisão ocorre dez dias depois da prisão de Jéssica Monteiro, 24 anos, uma história que causou comoção no país. Grávida de nove meses, ela foi presa no domingo, dia 10, com 90 gramas de maconha e teve a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva no dia seguinte, pouco antes de entrar em trabalho de parto. Ela foi levada para o hospital e depois retornou com o bebê para uma cela de dois metros, com apenas um colchão no chão. Jéssica nunca tinha tido passagem pela polícia e só apenas depois de uma intensa cobertura da imprensa o juiz aceitou que ela cumprisse prisão domiciliar.

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), enviados para o relator do caso no STF, em 16 anos a quantidade de mulheres encarceradas saltou 700%. Em 2000, 5.601 mulheres cumpriam medidas de privação de liberdade. Em 2016, este número foi para 44.721. E quatro de cada dez mulheres presas no país ainda não foram condenadas definitivamente. Segundo o ministro, apenas 34% dos estabelecimentos dispõem de cela adequada para gestante, 32%, de berçários e 5%, de creches.

Mas mesmo os locais onde há espaços especiais para mães e filhos recém-nascidos, eles nem sempre são adequados, de acordo com especialistas. Um levantamento realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e retratado no documentário Nascer nas prisões: gestar, nascer e cuidar, lançado no final do ano passado, mostrou que 36% das mulheres gestantes presas não tiveram acesso à assistência pré-natal adequada. 

Em 89% dos casos entrevistados, a família não foi sequer avisada de que a mãe entrou em trabalho de parto. Estas mulheres dão à luz acompanhadas apenas por agentes penitenciárias. "Era um quarto só para presas. Das outras mães [não presas], até levantavam o corpo para ajudar (...) Me deixaram sozinha no quarto. Eu falei que a nenê estava saindo e mandaram me algemar", explicou uma das entrevistadas no documentário. As entrevistas foram feitas entre 2012 e 2014, antes da entrada em vigor de uma lei que proibiu que se algemasse qualquer mulher durante o trabalho de parto.

(Com o IHU)

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