MPL: “Estaremos nas ruas até o aumento ser revogado”

                                                                       
  

Raphael Sanz e Gabriel Brito (texto e fotos)

No fim da tarde de quinta-feira (11) houve em São Paulo a pri­meira ma­ni­fes­tação do ano contra novo ta­ri­faço nos trans­portes pú­blicos, que chegam aos 4 reais. Con­vo­cado pelo Mo­vi­mento Passe Livre (MPL), o pro­testo contou com cerca de 5 mil par­ti­ci­pantes em seu ápice e so­freu re­pressão da Po­lícia Mi­litar no mo­mento final. 

“Ca­nas­trão, mi­mado e se­nhor­zinho de Casa Grande” foi como To­ninho Vés­poli, ve­re­ador pelo PSOL e pre­sente na marcha, de­finiu João Doria em aná­lise do pri­meiro se­mestre de gestão do pre­feito, em en­tre­vista para este Cor­reio. Na oca­sião, Doria já havia au­men­tado o valor das in­te­gra­ções, bi­lhetes tem­po­rais e re­a­li­zado cortes no passe es­tu­dantil. Per­ce­bendo a em­patia do pre­feito que não es­conde seu fervor pelo setor pri­vado e cor­po­ra­tivo, há meses as em­presas que ex­ploram o ser­viço cortam al­gumas li­nhas e au­mentam o tempo de es­pera de ou­tras.

Agora, neste início de ano, Doria que­brou sua pro­messa elei­toral de con­gelar a ta­rifa, ele­vando-a para 4 reais em tempos de pro­funda crise econô­mica e de­sem­prego. “O au­mento vai ex­cluir ainda mais gente da vida na ci­dade”, cri­ticou Anna, de 20 anos, es­tu­dante de pe­da­gogia e mi­li­tante do MPL (o so­bre­nome foi pre­ser­vado a seu pe­dido).

“Uma pessoa que mora na pe­ri­feria e pre­cisa pegar mais de uma con­dução para vir ao centro tra­ba­lhar – ba­si­ca­mente, a vida do pobre hoje em dia é ir da pe­ri­feria para o centro tra­ba­lhar e de­pois voltar pra pe­ri­feria, sem fazer ne­nhum outro uso do es­paço da ci­dade – o gasto será de 7 reais pra ir e 7 para voltar. São 14 reais por dia pra ir e vir do tra­balho – le­vando em con­si­de­ração que muitos pegam ônibus e metrô ou ônibus e trem de­vido à dis­tância. So­mando os cinco (ou seis) dias da se­mana e as quatro se­manas do mês, dá um terço do sa­lário mí­nimo. E tem gente que está pre­ci­sando tirar da co­mida e de ou­tras ne­ces­si­dades para poder cir­cular pela ci­dade”, ex­plicou.

De acordo com a mi­li­tante, o pro­blema re­side na forma como o trans­porte pú­blico é pen­sado em São Paulo. “Tratam como uma mer­ca­doria, não um di­reito. Doria, assim como quase todos os pre­feitos que já ge­riram a ci­dade, pensa no trans­porte a partir de uma ló­gica mer­ca­do­ló­gica, que serve aos em­pre­sá­rios de ônibus. Pensa no lucro deles e não no in­te­resse da po­pu­lação. Nós de­fen­demos a ta­rifa zero, ou seja, que todo mundo possa cir­cular pela ci­dade li­vre­mente”, afirmou.

Por volta das cinco da tarde co­meçou a con­cen­tração para a ma­ni­fes­tação em frente ao The­atro Mu­ni­cipal. Se por um lado a tem­pes­tade que caiu sobre a ci­dade deixou a con­cen­tração mais tí­mida, por outro, o apa­rato po­li­cial es­tava bas­tante nu­me­roso. Em­baixo e em cima do Vi­a­duto do Chá, ao longo da fa­chada do The­atro e em todas as ruas da re­gião da Praça Ramos Aze­vedo havia um enorme con­tin­gente po­li­cial es­pe­rando pelos ma­ni­fes­tantes.


O clima era de algum de­sa­pon­ta­mento na con­cen­tração, dada a pre­sença mas­siva das forças re­pres­sivas e o baixo nú­mero de ma­ni­fes­tantes pre­sentes, mas após a saída da marcha, por volta das 18h, o nú­mero de pes­soas foi au­men­tando con­si­de­ra­vel­mente. Poucos me­tros adi­ante do The­atro, quando pas­sava em frente à pre­fei­tura e se gri­tavam im­pro­pé­rios ao gestor da ci­dade, já era pos­sível notar o cres­ci­mento da mul­tidão.

A adesão ao pro­testo veio em sua mai­oria de jo­vens. E era pos­sível notar um traço bem he­te­ro­gêneo: desde jo­vens pe­ri­fé­ricos a es­tu­dantes uni­ver­si­tá­rios de classe média, além de se­cun­da­ristas. Também foi no­tável a pre­sença de par­tidos po­lí­ticos de es­querda como o PSOL, PSTU e o POR – além de grupos, co­le­tivos e mo­vi­mentos autô­nomos exis­tentes na ci­dade que de­fendem pautas ad­ja­centes como mo­radia e saúde. A UNE, PC do B e a Frente Povo Sem Medo também mar­caram pre­sença, ainda que mais ti­mi­da­mente.

No co­meço do tra­jeto, o ato passou em frente a uma pre­fei­tura en­trin­chei­rada – com uma de­zena de veí­culos da GCM guar­dando sua por­taria – e se­guiu para a praça da Sé.

No meio do ca­minho, exa­ta­mente em frente à Se­cre­tária de Se­gu­rança Pú­blica, foi que vimos as forças po­li­ciais co­me­çarem a pro­vocar os ma­ni­fes­tantes com ame­aças de uso da força, como po­demos notar na foto acima em que um po­li­cial apon­tava a todo mo­mento sua es­co­peta em di­reção à mul­tidão. Um co­lega jor­na­lista pedia calma ao co­man­dante en­quanto ma­ni­fes­tantes res­pon­diam à pro­vo­cação pe­dindo o fim da PM. Al­guns me­tros adi­ante, RO­CAMs ob­ser­vavam o mo­vi­mento.

Já na Praça da Sé, en­quanto a ma­ni­fes­tação se di­rigia para a Praça João Mendes, po­li­ciais ma­no­bravam seus es­cudos após um ma­ni­fes­tante acender  si­na­li­zador – da­queles de tor­cida de fu­tebol.  


Da João Mendes, a marcha desceu a rua Anita Ga­ri­baldi sen­tido Ter­minal Parque Dom Pedro sem mai­ores pro­blemas. Gri­tando pa­la­vras de ordem contra a ta­rifa a mul­tidão foi en­gros­sando, com pes­soas saindo dos seus tra­ba­lhos e ade­rindo. Neste mo­mento, o pro­testo chegou a contar com cerca de 5 mil par­ti­ci­pantes.

Em frente ao Ter­minal Parque Dom Pedro as ten­sões se acir­raram. O pe­lotão dos es­cudos se po­si­ci­onou em frente à en­trada do ter­minal para im­pedir um pos­sível ca­tra­caço e a rua es­treita, com fi­leiras de PMs nas la­te­rais, di­mi­nuiu o es­paço dos ma­ni­fes­tantes. Mas o pro­testo se­guiu em frente pela Rangel Pes­tana até a en­trada do trem da es­tação Brás, onde se en­cerrou. 

Como praxe em tais oca­siões, um grupo in­vadiu a es­tação e tentou pro­mover a ta­rifa zero de forma autô­noma, isto é, na cor­reria. Dentro da es­tação, por­tões foram fe­chados, im­pe­dindo usuá­rios de en­trar e sair e en­quanto ma­ni­fes­tantes e usuá­rios em geral ten­tavam furar o blo­queio para irem em­bora bombas foram lan­çadas.

Em trans­missão ao vivo feita via Twitter por Ig­nacio Lemus, cor­res­pon­dente da Te­lesur em São Paulo, é pos­sível ver um me­tro­viário se des­cul­pando com um usuário re­vol­tado com o fe­cha­mento das portas e di­zendo que foi uma “ordem su­pe­rior”, com qual não con­cor­dava, mas tinha de acatar para não perder o em­prego. A in­ter­dição da en­trada na es­tação durou quase uma hora, mesmo após quase todos os pre­sentes terem to­mado o rumo de casa.

No final das contas, três ma­ni­fes­tantes aca­baram de­tidos e logo foram li­be­rados. Também houve al­guns fe­ridos – entre eles um mi­li­tante do MPL, fe­rido na Es­tação Brás e que ter­minou a noite com 5 pontos na ca­beça. Além dele, um grupo que tentou ca­mi­nhar até a es­tação Bresser-Mooca acabou en­cur­ra­lado e agre­dido por po­li­ciais. Por outro lado, um PM foi fe­rido por uma pe­drada no rosto após atirar bombas de gás contra ca­dei­rantes, se­gundo re­latos de co­mu­ni­ca­dores in­de­pen­dentes que pre­sen­ci­aram a cena.

“Sa­bemos que há um his­tó­rico de re­pressão. Desde o co­meço do MPL sempre houve muita re­pressão, pois a pauta toca a todos os tra­ba­lha­dores e toda a po­pu­lação. Não temos como prever ou con­trolar a força e as ações po­li­ciais, mas es­ta­remos nas ruas in­de­pen­den­te­mente da re­pressão e re­sis­tindo até con­se­guir que o trans­porte pú­blico seja gra­tuito, ou seja, até a ta­rifa zero se tornar re­a­li­dade”, afirmou a mi­li­tante Anna ao ser in­da­gada sobre o apa­rato po­li­cial pre­sente.

Apesar da re­pressão no final do ato e de al­gumas pro­vo­ca­ções pon­tuais ao longo do tra­jeto, foi pos­sível notar uma pos­tura mais con­tida da Po­lícia Mi­litar se com­pa­rada a jor­nadas pas­sadas. Po­demos es­pe­cular que o ano elei­toral as­so­ciado a uma perda de pres­tígio das li­de­ranças do PSDB – tanto pela fan­far­ro­nice de Doria como pelos pro­cessos contra Alckmin a res­peito dos car­teis do metrô avan­çarem na jus­tiça pau­lista – sejam as ra­zões desta pos­tura. O fato de o pró­prio au­mento em si já pro­vocar des­gaste com parte da opi­nião pú­blica com­ple­menta a con­jun­tura. 

Neste sen­tido, tal como em anos an­te­ri­ores, di­versos em­pre­gados dos pré­dios do centro, vá­rios deles de re­par­ti­ções pú­blicas, em­pre­gados de lan­cho­netes e mo­ra­dores das ruas por onde a marcha pas­sava fa­ziam fil­ma­gens, ti­ravam fotos e ma­ni­fes­tavam apoio à pas­seata. “Valeu, vocês estão certos. Obri­gada! Con­ti­nuem!”, gri­tava uma mu­lher de sua sa­cada em um dos pré­dios da Rangel Pes­tana, já na dis­persão do ato, ou seja, após as ex­plo­sões e corre-corres que mar­caram o des­fecho. 

Pro­va­vel­mente, a pre­fei­tura ten­tará vencer as mo­bi­li­za­ções pelo can­saço, jo­gando com o ca­len­dário e a re­cusa em di­a­logar, tal como nos au­mentos de 2015 e 2017.

Do lado dos ma­ni­fes­tantes, a marcha de ontem foi con­si­de­rada po­si­tiva e es­pera-se que nas pró­ximas se­manas mais gente com­pa­reça. O Mo­vi­mento Passe Livre afirma que não sairá das ruas en­quanto o au­mento não for bar­rado e aposta na mo­bi­li­zação e en­ga­ja­mento po­pular para atingir seus ob­je­tivos. 

“Sa­bemos que o MPL so­zinho não vai barrar o au­mento ou con­se­guir a ta­rifa zero, somos um mo­vi­mento que luta pelo trans­porte e está pro­pondo o de­bate. Es­pe­ramos que toda a po­pu­lação se mo­bi­lize por essa pauta. Com a mo­bi­li­zação po­pular o poder pú­blico vai ter de ouvir as ruas e, no mí­nimo, barrar o au­mento”, con­cluiu Anna.

Para isto, o MPL con­vocou um se­gundo pro­testo contra o au­mento das ta­rifas do trans­porte pú­blico para a pró­xima quarta-feira, 17 de ja­neiro, em frente à casa do pre­feito João Doria, no bairro dos Jar­dins. O mesmo foi ten­tado em ja­neiro pas­sado, mas a atu­ação mi­litar im­pediu que o ato se di­ri­gisse ao en­de­reço em questão.

(*) Ga­briel Brito é jor­na­lista e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.
Raphael Sanz é jor­na­lista e editor-ad­junto do Cor­reio da Ci­da­dania.

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(Com o Correio da Cidadania)

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