Um dia inesquecível

                                                                                                 

José Carlos Alexandre

Um dia muito especial, histórico. Para ninguém se esquecer.O dia em que  os membros da 

Comissão da Verdade entregaram seu relatório, com mais de 1700  páginas.


Há muito esperava por este relatório. Porque também fui perseguido, perdi empregos, tive amigos

presos, torturados, mortos.

Só um pequeno exemplo: o semanário em que trabalhava foi fechado pelos golpistas dia 1º de abril

de 1964.

Era "Novos Rumos" onde exercia as funções de colunista e repórter.

Depois, na direção geral do jornal "União Sindical", em 1975,  fui surpreendido com a prisão, na

"calada da noite", do diretor financeiro de nosso tabloide, José do Carmo Rocha.

Era tempo de "desaparecimentos", como o do sindicalista Nestor Veras, diretor da Contag,  a  Confe-

deração Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.

Nestor foi sequestrado na avenida Olegário Maciel e muitos anos depois um dos torturadores

confessou ter-lhe dado um "tiro de misericórdia", condoído de seus padecimentos em face  de

torturas...

Estive lá o Palácio da Liberdade para assistir à entrega do trabalho de quatro anos da COVEMG.

Logo ao chegar quis mais informações sobre a transformação do antigo DOPS, na Afonso Pena

num Memorial de Direitos Humanos.

O secretário de Estado de Direitos Humanos Nilmário Miranda me confirmou: será dia 31 de

março de 1918.

Ele próprio, um pouco mais tarde, disse o mesmo em bom tom, em seu discurso.

Falando depois,o governador Fernando Pimentel, comovido, referiu-se ao DOPS e ao Memorial.

Voltei a me emocionar.

É tudo que sempre quis: o cumprimento da lei do governador Itamar Franco, criando no sinistro

edifício o Memorial que relembre os ásperos tempos...

Mas o ato de ontem, em meio ao calor do ambiente felizmente regado a muita água mineral,

cafezinho e pão de queijo, dois acontecimentos  muito comoventes: a fala do coordenador da

Comissão da Verdade, o Robison Sávio Souza ( que merece ser distribuído em todos os sindicatos

de trabalhadores, em todos os centros de defesa de direitos humanos, universidades etc.

E a  voz de Emely Vieira Salazar, ex-torturada, membro da Comissão da Verdade, e ex-presidente  do

Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos.

Emely quase arranca lágrimas de todos ao atacar de Aldir Blanc e João Bosco, cantando "O bêbado e

a Equilibrista"...

Fernando Pimentel, não aguentou: "Emely , não ouso esta bela voz desde Linhares..." (A 

penitenciária  de Juiz de  Fora, onde estiveram presos, dentre outros, o agora governador e militantes 

sociais e políticos,como a própria Emely, o Paulo Eliziário, o José Francisco Neres etc).


O trabalho da Comissão vai continuar . Mesmo porque ainda tem muita coisa para denunciar nestes

tempos em que até Universidades, reitores, vice-reitores e professores continuam sendo perseguidos,

além da criminalização de movimentos sociais, tentativa de desestabilização de sindicatos  e tudo o 

mais, como se ainda houvesse saudades de épocas passadas...

Foi justamente no Palácio da Liberdade que, em 1º de abril de 1964, começou o período de supressão

das liberdades democráticas, do arbítrio que duraria até 1985.

O que representou um sombrio tempo o povo brasileiro começa a desvendar como fruto o trabalho

que lhe foi entregue ontem só que num palco democrático, que simboliza a verdadeira vocação de

Minas.




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