Homenagem a Che

                                                                                   
Potiguara Lima

Po­demos pensar no mundo a partir das con­di­ções de vida que são apre­sen­tadas para nos fa­zermos po­tentes em nossos ideais e em nossos so­nhos. O pe­ríodo his­tó­rico pro­fun­da­mente grave em que vi­vemos, em que se re­co­locam e apro­fundam toda forma de in­jus­tiça, re­quer que os de­fen­sores desse es­tado de coisas se es­pe­ci­a­lizem em co­agir qual­quer pessoa que se re­bele contra os se­nhores do mundo e seus in­te­resses.

É ne­ces­sário nos sa­cu­dirmos e nos li­vrarmos a todo mo­mento das teias da in­di­fe­rença, da re­sig­nação, da in­to­le­rância, do ódio. Somos ins­tados a nos curvar di­ante da po­tência in­fame da­queles que ex­ploram nosso povo de forma brutal e querem acre­ditar e nos fazer acre­ditar que hu­mi­lham nossas lu­ta­doras e lu­ta­dores.

Nossos ini­migos, aqueles que contam seu en­ri­que­ci­mento diário aos mi­lhares, aos mi­lhões, fingem se in­con­formar com os pro­blemas do mundo: “quanta in­com­pe­tência e ine­fi­ci­ência!” - não cansam de re­petir os mag­natas do mundo em­pre­sa­rial e fi­nan­ceiro. Ao mesmo ins­tante em que isso é afir­mado, já abo­ca­nham mais al­guns mi­lhões na so­ci­e­dade trans­for­mada em cas­sino. 

No jogo do mer­cado, apa­ren­te­mente as­sép­tico e quase neutro para al­guns, os ga­nhos se dão em cima de mais mi­séria e so­fri­mento hu­mano. E um dos prin­ci­pais de­sa­fios das classes do­mi­nantes é o de con­vencer sobre a acei­ta­bi­li­dade e o ca­ráter pri­vado do so­fri­mento so­ci­al­mente de­ter­mi­nado. “Se pre­o­cupe com você mesmo e cuide do seu so­fri­mento!”

Nestes dias, ce­le­bramos a morte de al­guém que é sím­bolo de um tipo de exis­tência que “diz” com a pró­pria vida, e com a pró­pria morte, que viver em co­ni­vência às in­jus­tiças e ba­ju­lando os reis da ti­rania, os he­róis do ca­pi­ta­lismo, é viver in­dig­na­mente. 

O exemplo de Che foi acima de tudo o de mos­trar que o con­forto, a ade­quação à ordem das agra­dá­veis sen­sa­ções bem com­pradas, com pra­zeres bem postos por con­sumo e por status, dis­torcem o real sen­tido da exis­tência hu­mana. “Essa vida” nos mos­trou que é pos­sível am­pa­rarmo-nos na in­dig­nação e que po­demos sempre, co­ti­diana e ex­tra­or­di­na­ri­a­mente, fa­zermos de nossa in­dig­nação po­tência. Assim, e só assim, a vida se con­funde com o tra­balho e o sen­ti­mento de trans­formar e estar no mundo.

Che sabia que her­damos um mundo com muita ri­queza. A hu­ma­ni­dade aprendeu a usar de vá­rias formas de energia, a ma­ni­pular e mesmo criar di­fe­rentes ma­te­riais e co­nhe­cemos muito dos ci­clos na­tu­rais. Mas todas essas con­quistas, frutos de toda a evo­lução desde os que pri­meiro foram tendo a pos­si­bi­li­dade de or­ga­nizar seu papel no mundo (que nem esses hu­manos que co­nhe­cemos por sinal eram), estão sendo mal­ditas por um sis­tema que se es­pe­ci­a­liza em uti­lizar ir­ra­ci­o­nal­mente a energia e tudo o que a na­tu­reza dispõe, tendo ins­tau­rado o des­per­dício como ne­ces­si­dade e a de­gra­dação do mundo como regra. Che também per­cebeu que a uti­li­zação e des­carte das vidas hu­manas, em ex­plo­ração, in­di­fe­rença, so­fri­mento e morte, também foi sempre uma ne­ces­si­dade cres­cente do ca­pi­ta­lismo.

Nesse mo­mento, per­so­na­gens po­lí­ticos pre­po­tentes, cí­nicos e ig­no­rantes ga­nham es­paço para apre­sen­tarem saídas que ra­di­ca­lizam a forma do­mi­nante de tratar os pro­blemas do mundo. Os que também con­cordam com o status quo, mas acham que o apro­fun­da­mento do ca­pi­ta­lismo tem de vir com es­ta­bi­li­dade po­lí­tica estão des­mo­ra­li­zados, e não po­deria ser di­fe­rente.

Di­ante de um im­passe his­tó­rico da en­ver­ga­dura do que vi­vemos há an­seio por saídas que se pro­põem a ir à raiz dos pro­blemas, le­gi­ti­mando ou ques­ti­o­nando com te­na­ci­dade os pro­blemas so­ciais. Com o agra­va­mento dos con­flitos de classe, estão co­lo­cadas formas de vi­o­lência dis­tintas: de um lado, aqueles que querem re­solver os pro­blemas vi­o­len­tando ainda mais os po­bres e a na­tu­reza, cri­ando um mundo de in­to­le­rância, medo e re­sig­nação à mi­séria e a toda sorte de so­fri­mento so­cial; de outro, estão aqueles que se dis­põem a fru­ti­ficar seus an­seios de jus­tiça em toda forma de luta por di­reito e dig­ni­dade. Estes úl­timos têm apren­dido que des­mas­carar os vi­ga­ristas bi­li­o­ná­rios e todo o seu sé­quito é e será a ati­tude mais re­pro­vável, a vi­o­lência mais inad­mis­sível exis­tente para as classes do­mi­nantes. 

Che levou ao pa­ro­xismo a luta contra as in­jus­tiças. Com­pre­endeu o ab­surdo das re­la­ções hu­manas de seu tempo, de nosso tempo, su­ge­rindo e en­si­nando que a or­ga­ni­zação po­pular contra a ex­plo­ração tem con­sequência prá­tica e re­vo­lu­ci­o­nária.

Abre­viar cro­no­lo­gi­ca­mente a vida sig­ni­ficou para o nosso com­pa­nheiro la­tino-ame­ri­cano, e sím­bolo de re­beldia dos povos opri­midos do mundo, pre­en­cher de vida a his­tória. Por isso, onde há luta contra toda forma de in­jus­tiça, Che vive!

(*) Po­ti­guara Lima é edu­cador.

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(Com o Correio da Cidadania)

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