Brasil deixa de ser referência no combate ao trabalho escravo, diz OIT

                                                                       

Organização Internacional do Trabalho condena novas regras para definir trabalho escravo e divulgar a chamada lista suja de empregadores. Ministério Público do Trabalho classifica medida de "retrocesso".


O Brasil deixou de ser um exemplo de fiscalização do trabalho escravo após a publicação de uma portaria aprovada nesta segunda-feira (16/10), segundo considerou nesta terça a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

"O Brasil, a partir de hoje, deixa de ser uma referência no combate à escravidão como estava sendo na comunidade internacional", disse Antonio Rosa, coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Escravo da OIT e representante da organização no Brasil.

A portaria introduz novas regras para caracterizar o trabalho escravo e para atualizar o cadastro de empregadores que usam esse tipo de trabalho, a chamada lista sujado trabalho escravo.

Assinada pelo ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, e publicada no Diário Oficial da União, a portaria está sendo criticada por diversas organizações de defesa dos direitos humanos por potencialmente dificultar a punição de empregadores que usam trabalho escravo, já que dificulta a inclusão dos mesmos na lista.

Critérios internacionais

Antes da portaria, a fiscalização no Brasil usava conceitos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Código Penal do país considerando quatro elementos para caracterizar condições análogas à escravidão:

trabalho forçado;

servidão por dívida;

condições degradantes;

jornada exaustiva.

Essas diretrizes internacionais eram mais abrangentes para caracterizar o trabalho escravo. Para duas destas premissas, trabalho forçado e servidão por dívida, era necessário comprovar a privação de liberdade dos trabalhadores. 

Segundo a nova portaria, também passa a ser preciso verificar a privação de liberdade para comprovar condições degradantes de trabalho e a imposição de jornada exaustiva.

Rosa, da OIT, disse que o novo decreto estabelece um conceito "condicionado à situação de liberdade, e não é assim no mundo, a escravidão moderna não é caracterizada assim".

Outra regra alterada diz respeito à publicação da chamada lista suja das empresas e pessoas flagradas usando trabalho escravo no Brasil. O documento era antes organizado e divulgado pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), mas agora a sua publicação dependerá da aprovação direta do ministro do Trabalho.

As normas também diminuíram a autonomia dos auditores-fiscais nas inspeções. Os inspetores que verificam a prática de trabalho escravo no país terão que estar sempre acompanhados de um agente da polícia, que fará um boletim de ocorrência do auto de flagrante nas fiscalizações. Sem esse documento, as autuações perdem a validade e os infratores não serão punidos.  

"Lista nunca mais será divulgada"

O decreto foi duramente criticado pelo Ministério Público do Trabalho, assim como pela oposição do governo no Congresso, que vê na medida uma ação política do presidente Michel Temer.

Tiago Muniz Cavalcanti, responsável pela Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do Ministério Público do Trabalho, afirmou que "as novas regras acabam com o combate ao trabalho escravo no Brasil, pois alteram diretamente o coração da legislação, que é o conceito de trabalho escravo".

O titular da Conaete afirmou ainda que "limitar a definição de trabalho escravo à restrição de ir e vir de um trabalhador é um equívoco histórico e jurídico".

"É mais um retrocesso condicionar a publicação [da lista] à vontade política do ministro. Não há dúvida de que a lista nunca mais será divulgada ou que, caso seja publicada, os nomes de várias empresas serão retirados", afirmou Cavalcanti.

O procurador do Ministério Público do Trabalho assegurou que a publicação periódica da lista se transformou em uma importante ferramenta de combate ao trabalho escravo, não só pela condenação moral que isso representa, mas também porque os bancos suspendem imediatamente os créditos para essas companhias.

Cavalcanti indicou que a primeira medida do Ministério Público para impedir esse retrocesso será recomendar ao Ministério do Trabalho a imediata revogação da nova portaria.

Segundo uma nota da Comissão Pastoral da Terra, organização que lidera diversas campanhas contra o trabalho escravo, a nova portaria "elimina os principais entraves ao livre exercício do trabalho escravo contemporâneo tais quais estabelecidos por leis, normas e portarias anteriores".

A organização não governamental também afirmou que, ao exigir a presença de um agente da polícia para fiscalização, o governo promoveu um "engessamento" para "inviabilizar a inclusão de eventual escravagista na lista suja".

As mudanças nas regras sobre trabalho escravo atenderam um pedido antigo dos deputados da bancada ruralista do Congresso brasileiro poucos dias antes da Câmara dos Deputados votar se aprova ou não o prosseguimento de uma segunda denúncia, por atos de corrupção, contra Temer.

(Com a Deutsche Welle)

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