“Não dá pra sair da crise apenas pela via institucional”

                                                             

Gabriel Brito (*)

Um go­verno que ras­teja sobre as evi­dên­cias de cor­rupção, mas con­segue em­purrar suas con­trar­re­formas para o mundo do tra­balho, que por sua vez não ofe­rece uma res­posta à al­tura dos acon­te­ci­mentos e viu sua pre­tensa greve geral ser sa­bo­tada pelas pró­prias li­de­ranças. É sobre este ce­nário que Silvia Fer­raro, co­or­de­na­dora do MAIS (Mo­vi­mento por uma Al­ter­na­tiva In­de­pen­dente So­ci­a­lista), fala ao Cor­reio da Ci­da­dania.

“O dia 30 de junho ficou bem aquém das ne­ces­si­dades que temos de der­rotar de uma vez por todas o go­verno Temer e as re­formas em curso. Neste sen­tido, in­fe­liz­mente, foi uma in­flexão ne­ga­tiva na curva as­cen­dente que os mo­vi­mentos es­tavam tendo desde o dia 8 de março”, sin­te­tizou.

Na con­versa, Fer­raro cri­tica o aban­dono da Força Sin­dical e UGT, que sen­taram pra bar­ga­nhar com Temer, e também res­pon­sa­bi­liza o campo li­gado ao lu­lo­pe­tismo pelo imo­bi­lismo, in­clu­sive em re­lação às pró­prias bases que re­pre­senta. Em sua aná­lise, outro ponto ne­ga­tivo é o desvio do foco para as elei­ções, como se viu em dis­cursos na Ave­nida Pau­lista.

“As elei­ções, por si só, não vão re­solver os pro­blemas dos ex­plo­rados e opri­midos senão houver mo­bi­li­zação po­pular e de classe em torno de outro pro­jeto de en­fren­ta­mento ao ca­pital. Isso dito, o pro­blema não é apre­sentar uma al­ter­na­tiva po­lí­tica também nas elei­ções, o pro­blema é achar que, por dentro da ins­ti­tu­ci­o­na­li­dade, as coisas irão me­lhorar do ponto de vista da classe tra­ba­lha­dora”, apontou ela, que também é pro­fes­sora de his­tória.

A en­tre­vista com­pleta com Silvia Fer­raro pode ser lida a se­guir.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como ana­lisa a greve do dia 30 de junho? Di­ante do 28 de abril, con­si­dera de­cep­ci­o­nante?

Sílvia Fer­raro: O pri­meiro fato a cons­tatar é que não houve uma greve geral no dia 30 de junho. O dia 30 foi um dia de mo­bi­li­za­ções, pa­ra­li­sa­ções par­ciais mais fortes em al­gumas ca­pi­tais, como o DF ou For­ta­leza, atos e fe­cha­mentos de vias pú­blicas ou ocu­pa­ções sim­bó­licas dos ae­ro­portos, como foi feito em SP pelo MTST. Temos de va­lo­rizar todas as ini­ci­a­tivas re­a­li­zadas com muito es­forço por parte dos tra­ba­lha­dores e dos mo­vi­mentos so­ciais, porém, ficou longe de ser uma greve geral. 

Com­pa­rando com o 28 de abril, que de fato foi um dia de greve geral bem forte, o dia 30 de junho ficou bem aquém das ne­ces­si­dades que temos de der­rotar de uma vez por todas o go­verno Temer e as re­formas em curso. Neste sen­tido, in­fe­liz­mente, o dia 30 foi uma in­flexão ne­ga­tiva na curva as­cen­dente que os mo­vi­mentos es­tavam tendo desde o dia 8 de março, dia in­ter­na­ci­onal das mu­lheres tra­ba­lha­doras.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que levou al­gumas cen­trais a ab­di­carem da greve?

Sílvia Fer­raro: Creio que o ele­mento de­ter­mi­nante para que não tenha ha­vido um dia de greve geral foi o recuo de al­gumas cen­trais sin­di­cais, mais es­pe­ci­fi­ca­mente a Força Sin­dical e a UGT, que sen­taram para ne­go­ciar com o go­verno Temer. Estas cen­trais co­lo­caram como pri­o­ri­dade a ne­go­ci­ação em torno à ga­rantia da con­ti­nui­dade do im­posto sin­dical ou de outra forma de fi­nan­ci­a­mento dos sin­di­catos, que seria ga­ran­tido em Me­dida Pro­vi­sória de­pois que a Re­forma Tra­ba­lhista fosse apro­vada. De­pois da ne­go­ci­ação com o Temer, tais cen­trais aban­do­naram a greve geral e isso en­fra­queceu o con­junto da mo­bi­li­zação.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que pensa da pos­tura das cen­trais vin­cu­ladas ao lu­lismo? Fi­zeram corpo mole, jogo duplo não muito dis­tante das cen­trais que es­va­zi­aram a greve? 

Sílvia Fer­raro: Penso que a res­pon­sa­bi­li­dade das cen­trais do campo “lu­lo­pe­tista” é di­fe­rente das ou­tras cen­trais que ex­pli­ci­ta­mente ne­go­ci­aram com o Temer. Assim, não de­vemos co­locar todas no mesmo barco. Porém, há que co­locar re­pon­sa­bi­li­dade também, pois prin­ci­pal­mente a CUT, a maior cen­tral sin­dical do Brasil, de­veria ter de­nun­ciado pu­bli­ca­mente o recuo da Força e da UGT e cha­mado as bases dessas cen­trais a se re­be­larem. 

A CUT e a CTB não se en­fren­taram com as ou­tras cen­trais que pu­laram fora da greve geral, não houve ne­nhuma crí­tica pú­blica por parte delas. E também po­de­riam ter mo­bi­li­zado com muito mais força suas pró­prias bases. Nestes mo­mentos é ne­ces­sário dar ni­tidez aos tra­ba­lha­dores, ex­plicar o que está acon­te­cendo. A con­fusão in­flu­en­ciou ne­ga­ti­va­mente na cons­trução da greve geral.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que achou dos dis­cursos elei­to­reiros de al­gumas li­de­ranças, como se viu na Pau­lista? 

Sílvia Fer­raro: Aqueles que falam que tudo irá se re­solver com as elei­ções de 2018 estão com­ple­ta­mente er­rados. Está sendo im­ple­men­tado um pro­jeto no Brasil de re­ti­rada pro­funda de di­reitos his­tó­ricos, assim como estão dei­xando o Brasil mais de­pen­dente ainda eco­no­mi­ca­mente do sis­tema fi­nan­ceiro e das trans­na­ci­o­nais. 

Por­tanto, as elei­ções, por si só, não vão re­solver os pro­blemas dos ex­plo­rados e opri­midos senão houver mo­bi­li­zação po­pular e de classe em torno de outro pro­jeto de en­fren­ta­mento ao ca­pital. Isso dito, o pro­blema não é apre­sentar uma al­ter­na­tiva po­lí­tica também nas elei­ções, o pro­blema é achar que, por dentro da ins­ti­tu­ci­o­na­li­dade, as coisas irão me­lhorar do ponto de vista da classe tra­ba­lha­dora. 

Cor­reio da Ci­da­dania: Nesse sen­tido, quais se­riam, a seu ver, os cál­culos de quem ainda pla­neja re­co­locar Lula na pre­si­dência? 

Sílvia Fer­raro: Acho um equí­voco o pro­jeto de querer re­co­locar Lula na pre­si­dência, não por causa da pessoa do Lula, mas por causa do pro­jeto que ele re­pre­senta. Lula e o PT não fi­zeram ne­nhuma au­to­crí­tica dos 13 anos que go­ver­naram em ali­ança com o PMDB do Temer, com o agro­ne­gócio, com os ban­queiros e grandes em­pre­sá­rios. O re­cente Con­gresso do PT só exaltou os anos de go­verno do par­tido como se ti­vessem feito tudo certo. 

Temos uma ava­li­ação de que o pro­jeto de con­ci­li­ação de classes co­lo­cado em prá­tica pelo lu­lo­pe­tismo é o que levou a classe tra­ba­lha­dora à pa­ra­lisia, abriu o ca­minho para o golpe par­la­mentar e todas as con­sequên­cias dele que es­tamos ainda vi­vendo. Por isso, querer re­petir Lula e o seu pro­jeto é um erro.  

Cor­reio da Ci­da­dania: Di­ante da pos­tura de grupos e par­tidos or­ga­ni­zados em torno da Frente Brasil Po­pular e seus pro­jetos po­lí­ticos, a única opo­sição de es­querda pos­sível não seria aquela cla­ra­mente des­co­lada do pro­grama ne­o­li­beral ou, mais de­cla­ra­da­mente, an­ti­ca­pi­ta­lista?

Sílvia Fer­raro: Sim, com cer­teza. O pro­jeto de re­e­ditar um go­verno de con­ci­li­ação de classes é um erro. A es­querda so­ci­a­lista deve se de­dicar a cons­truir um pro­grama com me­didas an­ti­ca­pi­ta­listas para o Brasil sair da crise e pra isso cons­truir um campo po­lí­tico clas­sista que en­campe este pro­jeto.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que fazer neste mo­mento em que o país se en­contra pa­rado, sob um go­verno to­tal­mente des­mo­ra­li­zado, mas que de al­guma ma­neira se mantém?

Sílvia Fer­raro: Temos de con­ti­nuar a mo­bi­li­zação po­pular nas ruas pelo Fora Temer e suas re­formas. Além disso, é ne­ces­sário in­dicar uma saída via novas elei­ções di­retas. Existem se­tores bur­gueses que querem tirar o Temer através de um acordo, via elei­ções in­di­retas. É ne­ces­sário que Temer seja der­ru­bado pela força da mo­bi­li­zação po­pular e a saída ime­diata sejam novas elei­ções di­retas para pre­si­dente e o Con­gresso. 

Dessa forma, po­demos barrar a agenda das re­formas e apre­sentar um pro­jeto da es­querda so­ci­a­lista com me­didas an­ti­ca­pi­ta­listas. Este pro­jeto a ser cons­truído não se res­tringe às elei­ções, mas se houver novas elei­ções com cer­teza será obri­gação apre­sentá-lo através da com­po­sição de uma frente que reúna os prin­ci­pais par­tidos da es­querda como o PSOL, PSTU e PCB, assim como mo­vi­mentos so­ciais com­ba­tivos como o MTST.

(*) Ga­briel Brito é jor­na­lista e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.

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