Quebeque ilegaliza greve (*)

                                                                 
 António Santos  

Para quem tenda a esquecer-se de que mesmo a mais democrática das democracias burguesas será sempre uma ditadura da burguesia, a classe dominante encarrega-se de recordar esse facto. O que se passa no Quebeque com a ilegalização do direito à greve é quase uma rotina: desde 2010 pelo menos 11 greves foram proibidas no Canadá.

O governo da província canadiana do Quebeque aprovou, terça-feira, uma «lei especial» para ilegalizar a greve que mais de 175 mil trabalhadores da construção civil mantêm desde 24 de Maio. O infame «decreto 142» obriga as organizações sindicais a suspender a greve e impõe pesadas multas aos trabalhadores que não regressem ao trabalho, criminalizando qualquer «alteração ou redução das normais actividades profissionais».

A suspensão do direito à greve tornou-se, admitiu este fim-de-semana o primeiro-ministro, Philippe Couillard, do Partido Liberal do Quebeque, um «vício pouco saudável». Desde 2010, pelo menos 11 greves foram proibidas no Canadá. À semelhança do que já acontecera em 2013, pela mão do Partido Quebequense, o capital recorre novamente à extorsão para vencer a luta dos trabalhadores quebequenses da construção.

Desta vez, tudo começou com a caducidade do contrato colectivo do sector, a 30 de Abril. Os patrões aproveitaram o ensejo para exigir cortes na compensação pelo trabalho extraordinário e «horários flexíveis» que podem começar entre as 5 e as 11 horas da manhã, com variações diárias de até seis horas. 

Ameaçando nova intervenção do governo caso os trabalhadores não cedessem à totalidade das exigências, os patrões recusaram-se a negociar. Quando, finalmente, os trabalhadores disseram «basta», a resposta do governo deu-a o presidente do Conselho do Tesouro, Pierre Moreau, «acham mesmo que podem fazer o Quebeque perder 45 milhões de dólares por dia?», perguntou no parlamento.

Depois de atar as mãos dos operários, proibindo a greve, o decreto dá-lhes um prazo para chegarem a «acordo» com os patrões: se até dia 30 de Outubro as negociações não chegarem a bom porto, será um tribunal especial com poderes discricionários, cujo funcionamento e composição determinará o governo, a dirimir o conflito. 

Para reforçar a chantagem, o mesmo decreto estipula que, enquanto não houver entendimento entre as duas classes, será o governo a decidir as condições laborais, entre as quais uma actualização salarial de 1,8 por cento, abaixo da proposta patronal (1,9 por cento) e muito aquém da exigida pelos trabalhadores (2,6 por cento).

Inflamados pela vertigem repressiva do governo, os patrões recusam agora a oferta e exigem ao governo que vá mais longe: «Não compreendemos por que é que o governo concede aumentos salariais aos trabalhadores quando não atende a uma única das nossas exigências», queixou-se Éric Côté, da Associação [patronal] de Construtoras do Quebeque (ACP), ao Montreal Gazette.

Enquanto decorria a aprovação do infame decreto, milhares de trabalhadores manifestaram-se junto ao parlamento, na cidade do Quebeque. À CBC News, um operário que participava no protesto resumia o momento com a clarividência empírica da classe «em si» que subitamente se descobre «para si»: «A ACP pede-nos que negociemos nos termos deles, ameaça-nos com o governo deles, julga-nos com os tribunais deles, com leis escritas por eles e atiça-nos a polícia deles. Nós respondemos com o nosso trabalho. É a única coisa neste país que é nossa».

(*) Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2270, 1.06.2017

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