Naus sem rumo (Resolução do Movimento Marxista 5 de Maio)

                                                                   
"As mudanças conjunturais constituem o mais preciso instrumento de (re)avaliação das táticas, estratégias e programas adotadas por partidos, organizações e grupos políticos que se pretendem revolucionários, socialistas e/ou comunistas. Por todo o campo considerado de esquerda. Pois é exatamente nestes momentos históricos que as classes sociais, e as relações entre estas, se exibem com toda clareza, com toda sua materialidade, despidas de subjetivismos e voluntarismos, de messianismos e autoglorificações. Constitui, portanto, a análise de conjuntura arma absolutamente essencial e decisiva na configuração de uma prática política direcionada à transformação revolucionária do capitalismo em socialismo em direção ao comunismo. É a análise de conjuntura elemento, o único, capaz de fazer presente o materialismo na prática revolucionária.

Mas a esquerda brasileira em sua maioria não sabe o que é conjuntura. Desconhece o princípio elementar da prática marxista segundo o qual o parâmetro central de uma análise de conjuntura materialista, proletária, é a correlação de forças entre as classes fundamentais da sociedade e da formação social em questão, no caso, entre burguesia e proletariado. No Brasil de hoje, não se pode identificar qualquer mudança essencial nesta correlação de forças. 

A burguesia, desde Lula-Dilma e agora com Temer, mantém o domínio sobre um proletariado desmobilizado, desarmado ideológica e politicamente para, mobilizando-se, estabelecer sequer algo próximo a um equilíbrio de forças. O afastamento de Dilma Rousseff da presidência, substituída pelo esquema mafioso de Michel Temer e seus capangas, não constituiu qualquer tipo de golpe de estado, o que significaria um aprofundamento ainda maior daquele domínio exercido pela burguesia, bloqueando os caminhos de mobilização e (re)organização do proletariado.

O que vivemos hoje – é absolutamente decisivo ter isso bem claro – é uma conjuntura em transformação em que a burguesia procede a uma nova arrumação do poder que lhe seja mais útil no quadro de aprofundamento da crise do capitalista, já q ue o esquema PT/PCdoB já não mais lhe servia para o necessário aprofundamento da exploração sobre o proletariado, sob pena de perder suas próprias bases. Não houve golpe de estado portanto. 

O que amarra os pés do proletariado é a repressão policial-militar do estado democrático de direito vigente (sim, a democracia é um sistema político de repressão ao proletariado) à ação criminosa dos aparatos ideológicos do estado da burguesia, com destaque hoje para o neopentecostalismo financeiro. Ao lado, a contribuição, mesmo que involuntária, das práticas sindicais e políticas pequeno-burguesas daquela esquerda.

O neorreformismo

Desgraçadamente, contudo, a imensa maioria da esquerda brasileira – e internacional – simplesmente jogou na laxa do lixo a arma da análise de conjuntura. Não por mero descuido, evidentemente. Mas exatamente porque os programas desta esquerda partem na prática do pressuposto de que não existe mais conjuntura. No caso do trotsquismo, suas “análises de conjuntura”, por isso mesmo, não passam de verborrágicas catilinárias de autoglorificação de suas velhas posições messiânicas nas quais todo o resto da esquerda não passaria de exércitos de traidores do proletariado. De estalinistas e burocratas conciliadores.

Desde que Trotsky decretou em 1938 que o capitalismo teria ingressado em uma fase de derrocada final, de incapacidade sistêmica de reproduzir-se – de gerar mais-valia, portanto, – o mundo teria ingressado, em todos os cantos e recantos, em fase derradeira, final e permanente de situação revolucionária. De revolução permanente. Quem não concordar em partir para a tomada do poder, assim, é traidor. Assim como veem a revolução em cada esquina, os trotsquistas vivem sempre mergulhados no delírio paranoico de ver traidores em cada esquina. Daí, os constantes e infindáveis rachas que os assolam e as múltiplas e múltiplas tendências em que se dividem.

A mesma empáfia que reveste permanentemente os apelos infantis do PSTU e congêneres marca as piedosas recomendações de bom senso e maturidade na boca e propostas dos apóstolos do PSOL, que, não por acaso e na mesma lógica conciliatória abriga em suas hostes... correntes trotsquistas. É difícil entender. Ou melhor, não é difícil entender.

Mas há algo de novo no reformismo. Não estamos mais diante do velho reformismo bernsteineano, que acabou desmoronando com a derrubada do Muro de Berlim, com a derrota do socialismo real para o imperialismo. Não se trata mais do carcomido reformismo estalinista (esta, sim, é a crítica séria a ser feita a Stálin, não as fraudulentas acusações fascistoides arquitetadas pelo imperialismo e compartilhadas pelo trotsquismo). O reformismo hoje dominante vem remodelado, com roupagem moderna e design sofisticado. Atende pelo nome de gramscianismo. 

Montados na imagem verdadeira e merecida do socialista italiano Antonio Gramsci de um dos heróis do proletariado mundial, os neorreformistas partem em santa cruzada na busca do mesmo cálice sagrado com que sonharam aqueles velhos e bons (porque não se disfarçavam) reformistas dos velhos tempos: a transição pacífica tranquila ao socialismo através da conquista progressiva e prioritária das instituições ideológicas da burguesia e do estado burguês. E, espantosamente, se dizem marxistas.

“Poder Popular” ou Poder Proletário?

Em meio a tudo isso, temos o Partido Comunista Brasileiro, o velho Partidão, vivendo o complexo de contradições que o vem marcando desde o seu 14º Congresso, em 2013, quando deu um salto qualitativo, adotando o princípio de que a revolução no Brasil será socialista ou não será revolução, com a autocrítica clara de suas teses programáticas reformistas de louvações à democracia e de cogitação de alianças “de transição” com a burguesia. 

Tese esta da revolução socialista formulada e defendida pela velha Polop (Organização Revolucionária Marxista-Política Operária) desde o final dos anos 50 do século passado, mas olimpicamente então descartada pelo Partidão. Mas infelizmente o Partidão não completou sua autocritica, não a consubstanciou em teses e propostas proletárias claras em sua prática política. O fato é que o Partidão tem sucumbido à forte pressão do tsunami gramsciano.

Sua palavra de ordem de defesa de um “Poder Popular”, eixo de sua propaganda nas eleições presidenciais passadas, apenas mascara a concessão a correntes pequeno-burguesas que colocam a pequena burguesia na mesma linha de vanguarda revolucionária que o proletariado. A consigna Poder Proletário por certo não seria de agrado dos pequenos burgueses. Não por acaso, o Partidão optou por submeter sua política de alianças no campo sindical às alianças eleitorais que tem costurado para as próximas eleições municipais.

Com os sinais de mudança conjuntural, o PCB se viu em uma encruzilhada. À sua esquerda, organizações marxistas que lhe anunciaram a disposição de se alinharem a um projeto de construção partidária a ser liderado por ele. À direita, o neorreformismo. Desgraçadamente, o Partidão escolheu este caminho à direita, engajando-se em uma imprestável e inconsequente “Frente de Esquerda Socialista”, absolutamente sem propósitos e objetivos, sequer táticos, a não ser o de exibir um reconfortante bom-mocismo sempre muito grato à pequena burguesia. 

Na realidade, há muito estamos diante de um artifício de bloqueio à verdadeira unidade de marxistas e comunistas. Não custa aqui recomendar uma consulta ao folheto de Lênin “Como promover a desunião aos gritos de unidade”.

Mais uma vez, pois, a história vem nos provar que fora do marxismo não existe alternativa ao capitalismo. Mas provas e demonstrações práticas de nada adiantam diante da blindagem que neorreformistas e trotsquistas opõem à razão dialética materialista. Sabemos muito bem os marxistas que conversas e chamamentos nada resolvem. Deixamos para os acadêmicos habermaseanos e assemelhados tal ilusão. 

Temos, isso sim, de acumular forças no interior do movimento do proletariado. A possibilidade de influenciamos na formação de um partido marxista revolucionário do proletariado, no interior mesmo do agravamento da crise capitalista e da correspondente mobilização deste proletariado, vai depender, tal possibilidade, de possuirmos força real, mesmo que não majoritária, neste movimento. Aí, sim, nos ouvirão. E nós temos o que falar e fazer.

Venceremos!"

(Este texto não reflete necessariamente a opinião do editor deste espaço. José Carlos Alexandre)

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