O governo interino e aquilo que está adiado para depois do impeachment

                                                                            

 Guilherme C.Delgado (*)

 Decorridos pouco mais de 30 dias do governo interino de Michel Temer, aguardam-se ainda as principais medidas de política social, sob a forma de Emendas Constitucionais, que este mesmo governo anunciou como fundamentais ao seu projeto de ‘ajuste fiscal’: 1) o limite de gastos orçamentários sobre as destinações de Saúde e Educação; 2) a desvinculação do salário mínimo da Previdência e a idade única à aposentadoria.

Tudo indica, pela leitura da conjuntura e ainda por didáticas entrevistas de economistas áulicos da atual política econômica, como o Sr. Edmar Bacha (O Estado de S. Paulo, 12/06, pag. B8), o verdadeiro “saco de maldades” da política social ficaria para depois da votação definitiva do impeachment pelo Senado, quando então essas Emendas viriam com toda desenvoltura, suspendendo praticamente diversos artigos da Constituição, que tratam de Saúde, Educação, Previdência e até estabilidade do funcionalismo público, por um prazo de “10 a 20 anos”. Este seria o prazo necessário para introduzir pagamentos compulsórios aos usuários do SUS e da educação básica e universitária; e também para a reforma da Previdência em cima do público do INSS.

Esse arranjo todo, como esclarece didaticamente o Sr. Edmar Bacha, é para atender os juros da dívida pública – 400 bilhões de reais somente em 2016, segundo seu cálculo, muito embora somente se destaquem no noticiário os valores do déficit primário de 170 bilhões, reelaborado pelo governo Temer, quando o déficit total (denominado déficit nominal) é de 570 bilhões de reais.

O arranjo político para o “saco de maldades”, que viria a partir de agosto, é assunto que os economistas neoliberais evitam sistematicamente; mas nessa entrevista que estou mencionando, o entrevistado alude explicitamente aos imponderáveis da Operação Lava Jato, a criar muita instabilidade política, o que provavelmente estaria adiando o envio ao Congresso desse verdadeiro pacote de ajuste neoliberal.

Por outro lado, a agenda política já executada pelo governo interino contém uma linha de claro continuísmo às subvenções financeiras, responsável pelo exacerbado crescimento do “déficit” nominal, tanto em 2015 quanto em 2016, que o Sr. Bacha calcula, somente a parte de juros da dívida pública, em 400 bilhões de reais (2016).

Mas se observarmos a MP das privatizações (727/2016), de iniciativa do governo Temer, e a nova política de financiamento do BNDES, declaradamente as privatizações de infraestrutura, somada à manutenção da taxa de juros SELIC pelo BACEN, a mais alta do mundo, temos o sinal verde já emitido para continuidade dos fluxos crescentes de despesa financeira.

O leitor talvez não tenha a informação, mas quando o BNDES financia privatização, o faz à sua “taxa de juros de longo prazo”, que é substancialmente mais baixa que a taxa do Banco Central (Taxa Selic), correndo a diferença como subsídio financeiro a requerer superávit primário para não aumentar a Dívida Pública.

O mesmo vale para o crédito rural do agronegócio, o crédito habitacional ou quaisquer outros programas de financiamento bancário com taxas inferiores à taxa do Banco Central. E tudo isso é feito todos os anos, sem precisar do Congresso. Entra na proposta orçamentária anual como “serviço da dívida”, insuscetível de emenda pelo parlamento.

O jogo que está lançado, é bom que se diga, não é possível de ser concretizado dentro dos marcos democráticos constitucionais. Realiza uma verdadeira “desconstituinte” sem qualquer autorização da soberania popular. Eleva substancialmente a desigualdade econômica e escancara as comportas do Estado ao completo usufruto da “pátria financeira”, com um programa de apropriação indevida de patrimônio público, dezenas de vezes superior a tudo que a operação Lava Jato já apurou até hoje.

É disto que se jactam os economistas neoliberais como “uma ponte para o futuro”, para o que precisariam de um governo ao estilo do general Pinochet no Chile ou do seu predecessor no Brasil (Médici), ou talvez de um “salvador da pátria” produzido por um clima prévio de certo terrorismo político, devidamente aprovado pelo Congresso atual em final de mandato.

Esse enredo político, verdadeira operação daquilo que poderíamos chamar de uma psicopatia política, está em curso, mas não resiste ao debate político democrático, daí sua tentação por “atalhos”.

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(*) Guilherme Delgado é economista e pesquisador aposentado do IPEA.


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