Ilusões e luta

                                           
Jorge Cadima (*)

Jorge Cadima analisa, com exemplos da vida na Europa dos nossos dias, como a social-democracia e a esquerda que se diz radical aproveitam o descontentamento dos povos para, prometendo o fim da austeridade traem os povos que os elegem.

A sementeira de ilusões que fazem no campo fértil dos condenados da Terra é o seu contributo para a tentativa de salvação o sistema de exploração e os seus instrumentos de opressão.

Na Grécia e França, importantes lutas marcam a actualidade. Governos auto-proclamados de esquerda – ou até da «esquerda radical» – estão a concretizar as políticas anti-laborais e anti-sociais do grande capital financeiro. 

Mas a resistência tem-se manifestado nas ruas e em greves, organizada pelo movimento sindical e organizações políticas ligadas à defesa dos interesses de quem trabalha, e não aos interesses de quem lucra.

Há que recordar as promessas – e ilusões – de mudança que acompanharam a eleição de Hollande em 2012. Era anunciada uma mudança nas orientações da União Europeia e prometido o fim das políticas de «austeridade.

Hoje, o governo PSF Valls procura impor nova legislação laboral à moda da troika. Desde Março que, em sucessivas jornadas de luta, centenas de milhares de franceses descem à rua em defesa das suas condições de vida e de trabalho.

O estado de excepção, decretado por Hollande após os atentados terroristas de Paris, tem servido de pretexto para brutais repressões policiais. Longe de uma qualquer «solidariedade nacional para a luta contra o terrorismo», o governo francês escolheu o momento para lançar um feroz ataque contra o seu povo.

Torna-se óbvio que a ofensiva anti-social e o estado de excepção não andam desligados. Foi no Fórum do grande capital em Davos que o primeiro-ministro Valls anunciou à BBC que o estado de excepção se eternizaria «pelo tempo que fôr necessário».

Na Grécia é o governo da «esquerda radical do Syriza – tão promovido por certa esquerda europeia, como o BE, que se pendurava ao pescoço de Tsipras nos dias de glória eleitoral para depois fazer de conta que nem sabia quem fosse – que está a promover mais um feroz ataque ao martirizado povo grego. Desta vez com uma «reforma» do sistema de pensões.

De proclamado opositor e resistente aos ditames da UE, o governo Tsipras tornou-se num fiel executante das políticas de austeridade da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI. 

Mas o governo Tsipras foi mais além, colaborando com o belicismo imperialista. Traindo décadas de solidariedade do povo grego com o martirizado povo da Palestina – que assinala na próxima semana mais um aniversário da sua catástrofe (a Nakba) – tornou-se um aliado de Netanyahu.

Depois de manobras e acordos militares em 2015, Tsipras visitou Israel e descreveu Jerusalém como a sua «capital histórica». Mesmo a comunicação social daquele país escreveu que «devido ao conflito israelo-palestino e a disputa sobre Jerusalém, muitos países recusam reconhecer Jerusalém como a capital de Israel» e cita um ex-diplomata de Israel: «a declaração de Tsipras é ’sem precedentes, especialmente para um dirigente europeu’» (i24news.tv, 26.11.15).

Convém lembrar estes factos, não apenas porque são a verdade histórica, mas também para que se tire as devidas ilações. Sobre quem falou verdade e quem a ela faltou. Sobre o papel de certas forças que se proclamam de esquerda mas que, capitalizando o descontentamento popular, tornam-se executantes das políticas do grande capital, quando os seus tradicionais partidos deixam de ter condições para o fazer.

Para que se compreenda o papel de gente como o ex-ministro Syriza Varoufakis que, tendo saído do governo aquando da capitulação de Tsipras, ainda encontra vontade para – tal como Obama – aconselhar os britânicos a votar pela permanência nessa UE que tanto sofrimento tem infligido aos povos (The Guardian, 5.4.16).

Há quem venda ilusões aos povos, com promessas de soluções fáceis e indolores. Mas, como o PCP tem sublinhado, sem uma ruptura com os ditames do grande capital financeiro e as instituições ao seu serviço – como esta União Europeia irreformável e cada vez mais agressiva e ditatorial – as promessas são apenas ilusões. Ilusões que ajudam a salvar o sistema. E que quando se transformam em traição, correm o risco de abrir caminho a realidades ainda piores. Só o caminho da luta pode abrir as vias do futuro.

(*) Professor universitário e analista político.

Este texto foi publicado no Avante nº 2.215 de 12 de maio de 2016.


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