Câmara Federal: uma vergonha nacional

                                                                           

 Marcos Sassatelli

Domingo, dia 17 do mês corrente, à tarde e à noite, muitos brasileiros e brasileiras (no Brasil e no exterior) tiveram a oportunidade de assistir a um espetáculo vergonhoso e deprimente, um verdadeiro circo, cujos atores (cumprindo um papel ridículo e de péssima qualidade do ponto de vista artístico) foram os deputados federais. Em sua maioria, uma corja de fariseus, hipócritas, falsos, corruptos, oportunistas, covardes, conspiradores e traidores.

Foi nojento e repugnante ver que - depois de conquistar o 342º voto - um grupo desses deputados federais conspiradores e traidores (alguns deles eram ministros do governo até poucos dias antes da votação), numa atitude inescrupulosa e diabólica, correu para a casa do chefe dos conspiradores e traidores, que os recebeu com um sorriso cínico e maldoso (vejam foto compartilhada nas redes sociais). É inacreditável! Para qualquer pessoa que tem um mínimo de decência e dignidade humana, foi uma cena de provocar vômito!

A bem da verdade, precisamos reconhecer que na Câmara há também um pequeno grupo - e isso é motivo de muita esperança - de deputados federais honestos que, apesar das condições adversas, esforçam-se para fazer da prática política um verdadeiro serviço ao povo e ao bem comum. Como dizia Paulo VI e repete hoje o Papa Francisco: a verdadeira prática política é uma das formas mais sublimes da caridade (do amor).

Infelizmente, nestes últimos anos, o maior erro das forças políticas populares no governo foi fazer a aliança com um grupo político que integra o grupo dos detentores do poder econômico (os “demônios” de hoje). Deu no que deu! Espero que a traição dos novos “Judas” sirva de lição para essas forças políticas populares e também para todos os movimentos sociais populares e todos os sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras que lutam por uma nova sociedade, justa e igualitária.

Lembremos as palavras de Jesus de Nazaré: “Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro” (Mt 6, 24): o deus dinheiro, o grande ídolo do nosso tempo. “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão! Assim também vocês: por fora parecem justos diante dos outros, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça!” (Mt 23, 27-28). Essas palavras são o retrato perfeito do que vimos na Câmara Federal, durante a votação do impeachment, que foi um golpe político baixo, covarde e vingativo.

Uma das coisas mais nojentas da sessão de votação do impeachment foi ver como deputados federais, durante o voto, emitiam frases de efeito, profanando os valores mais sagrados da vida humana e, às vezes, utilizando - de maneira deturpada, oportunista e farisaica - a própria Palavra de Deus para defender seus interesses pessoais e de grupo. Houve até deputado que fez uma homenagem a um dos maiores torturadores da ditadura civil e militar. Execrável!

Lamento profundamente que muitos deputados federais (que se dizem, mas não são) cristãos católicos ou cristãos evangélicos sejam piores do que os outros. Como pode, por exemplo, um presidente da Câmara Federal, notoriamente corrupto, presidir uma sessão tão importante? É realmente o fim da picada! O despudor não tem mais nenhum limite! Nunca vi esses fariseus falarem tanto o nome de Deus em vão.

A bancada goiana de deputados federais (com uma única exceção) confirmou - com sua prática política - que o estado de Goiás é um dos mais atrasados do Brasil, do ponto de vista cultural e ético. Em Goiás, ainda predomina o coronelismo rural (dos latifundiários), o coronelismo urbano (dos donos das imobiliárias) e o coronelismo político, este último a serviço dos dois primeiros.

Em Goiás, os criminosos - muitas vezes presos ou com mandato de prisão - são os trabalhadores e trabalhadoras que lutam pelo direito sagrado a terra e à moradia.

Quem tiver estômago para isso, leia na mídia o depoimento dos deputados federais goianos - e de outros estados também - na hora da votação do impeachment. É estarrecedor! Por fim, lembrem-se os deputados federais que Deus é justo. Aguardem! A hora da justiça vai chegar!

Em contraposição ao uso demagógico e oportunista da palavra “povo” por parte dos deputados federais, deixo um testemunho: domingo 17, dia da votação do impeachment, nas Comunidades da Paróquia Nossa Senhora da Terra (região noroeste de Goiânia), onde eu atuo pastoralmente, havia no meio do povo um clima de muita preocupação e, no rosto das pessoas, estava estampado um sentimento de decepção e tristeza. Isso é muito significativo! Pessoalmente, só pude assistir à última parte do “circo” da votação do impeachment, mas foi mais do que o suficiente para perceber claramente que se tratava de uma grande farsa.

Na conquista do 342º voto houve um profundo silêncio. Por volta das 23h, as ruas e avenidas do bairro Floresta e Jardim Curitiba III, onde eu passei de carro, estavam totalmente vazias. Parecia um clima de velório. Não houve nenhum sinal de manifestação ou euforia por parte do povo. Esse fato, por si só, fala muito mais do que todas as frases demagógicas de efeito dos deputados federais de Goiás e de todo o Brasil.

Há uma diferença fundamental no uso da palavra “povo” entre os deputados federais e os que lutam por uma nova sociedade, que é a sociedade do bem viver ou - à luz da Fé - o Reino de Deus na história do ser humano e do mundo. Para os primeiros, o “povo” são as elites e os grupos de classe média que, para defender seus próprios interesses, se aliaram às elites e, nas manifestações públicas, costumam fazer muito barulho. Para os segundos, o “povo” são os pobres - os trabalhadores e trabalhadoras - que são a grande maioria, e seus aliados. Pensemos!

Como diz o Papa Francisco, fazendo suas as palavras dos movimentos populares, “esse sistema não se aguenta mais. Temos que mudá-lo, temos que voltar a levar a dignidade humana para o centro, e que, sobre esse pilar, se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos” (1º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Roma, 27-29/10/2014).

Nas próximas eleições vamos banir da vida pública - de uma vez por todas - esse bando de políticos corruptos e traidores, que são capazes de vender até a própria mãe para defender seus interesses. Vamos votar em trabalhadores e trabalhadoras honestos, que não se vendem e que estão dispostos a colocar a prática política a serviço do bem comum. Chega de tanta maracutaia!

Estamos no tempo pascal. Páscoa, para os cristãos e cristãs, é “passagem” para uma vida nova. Não temos direito, sobretudo os seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré, de perder a esperança. Cantemos: “Vitória, tu reinarás”!

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(*) Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, é doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP), professor aposentado de Filosofia da UFG.

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(Com o Correio da Cidadania)

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