Todo o brilho de Pasolini nos 40 anos de sua morte

                                                                                               Wikimedia Commons

O ator Willem Dafoe interpreta Pasolini no filme homônimo de Abel Ferrara,

Cineasta e escritor italiano foi assassinado em 2 de novembro de 1975; sua vida e obra são revisitadas em filme e em edição brasileira de seus poemas

O desconforto seguido de crises pessoais desconstrói uma família após um visitante ir embora da casa onde vivem: este é o enredo do longa-metragem Teorema (1968). 

Em tempos em que se discutem a “expansão da classe média” e “modelos familiares”, o cineasta e escritor italiano Pier Paolo Pasolini já detonava tais concepções na década de 1960 com seu filme.  

Pasolini nasceu no dia 05 de março de 1922 em Bolonha, no nordeste da Itália, e no dia 2 de novembro de 1975, na cidade litorânea de Óstia, próximo a Roma, foi assassinado.

A morte é controversa e existem indícios de que foi encomendada: o autor nutria antipatia de diversos setores da sociedade italiana na época por sua obra e críticas publicadas em jornais. 

Mesmo após quatro décadas de sua morte, o efeito de sua obra permanece. No início de outubro, foi lançado no Brasil o livro Poemas: Pier Paolo Pasolini (Cosac Naify), traduzido pelo professor de literatura italiana da USP Maurício Santana Dias e organizado em conjunto com Alfonso Berardinelli. 

O professor comenta que o lançamento do livro ilumina a figura do Pasolini poeta, ainda pouco conhecida por aqui: “Toda obra dele está vinculada a essa experiência poética”.  

Além desse enfoque nos poemas, o livro traz de volta “alguém que sacode o leitor”, diz Dias. “Estamos vivendo momentos de apatia, de certa indiferença, de um certo marasmo, e o Pasolini é aquele que vai contra isso. Extremamente vital, visceral, e ele se contradiz e não tem vergonha de se contradizer”.

Quanto ao processo de tradução, Dias observa que o desafio foi acompanhar o amplo espectro apresentado nos poemas. “Ele experimenta muito, usa formas tradicionais como o decassílabo, às vezes com rima, às vezes sem rima, às vezes com rimas internas, até formas livres, verso visual, montagem cinematográfica. 

A dificuldade é conseguir acompanhar essa enorme variação de formas e também de misturas de registros, pois pode ir do mais humilde, até o mais elevado, o mais sublime”, comenta o professor.

Dois poemas do livro tratam do Brasil: Hierarquia e Comunicado à Ansa - Recife. O poeta esteve no país em 1970, após voltar da apresentação do filme Medeia no festival de Mar del Plata, na Argentina. 

“Pasolini acabou escrevendo esses poemas que são a versão dele do terceiro mundo, em que ele via um tipo de possibilidade, outro tipo de civilização que não aquela ocidental europeia neocapitalista, completamente condenada ao fracasso”, acredita Dias.

                                              
                      Cena de Saló ou os 120 dias de Sodoma (1975), seu último filme

O ponto central da obra de Pasolini está na representação dos marginais da sociedade. Em lugar de retratar o proletariado, ele jogou luzes no subproletariado, o que o distanciou das obras de cinema neorrealistas da época. 

Com o aprofundamento de sua crítica procurou denunciar o consumismo e o autoritarismo e produziu intencionalmente obras de difícil entendimento imediato. 

Em sua filmografia também houve espaço para histórias épicas com a celebração de culturas antigas. No entanto, alguns filmes, como os da Trilogia da Vida, foram renegados pelo cineasta por terem sido assimilados como objeto de consumo erótico pela burguesia.
                                                                      
Segundo Dias, o tradutor do poeta, Pasolini (foto) não se alinhava a nenhuma doutrina, o que fez com que ele fosse visto como reacionário por alguns setores da esquerda italiana. 

Em críticas publicadas em jornais se posicionou contra pautas progressistas e chegou a criticar movimentos sociais por acreditar que haviam sido cooptados pelo sistema. Contudo, a crítica voraz foi concentrada no neocapitalismo que o poeta via como “modelo de sociedade voltada para produção e consumo em um estado de aceleração devastador e que acabava anulando as diferenças”, diz Dias.

“Isso é visto como uma espécie de genocídio cultural e até de mutação antropológica. Essa é uma expressão que ele cunhou. O homem estava se transformando em outra coisa, estava se tornando um ser cada vez mais alienado e refém de um pensamento único”, afirma o professor.
Por causa desse “genocídio cultural”, Pasolini defendeu a ideia de se vivia em um tempo póstumo, com uma cultura póstuma, com o homem refém de si mesmo. (Com Opera Mundi)

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