Entrevista com Juan Valdés Paz (*)

                                                           

           
Os desafios culturais na realidade actual de Cuba

Clara G. Meyra Segura

Juan Valdés Paz, sociólogo, politólogo, analista, iniciou com uma profunda análise - intitulada «Notas sobre a cultura do desenvolvimento socialista» - o VII Encontro Regional de Intercâmbio e Referência Iniciativa Comunitária (CIERIC). Os trabalhos desta sétima realização do Encontro foram dedicados ao tema de «Os desafios da Cultura na construção de sociedades com equidade e sustentabilidade».

- Quais considera serem os desafios culturais da actual realidade em Cuba? 

- O conjunto da realidade surgida depois da Revolução. A procura de garantir um determinado projecto da nação é, em si mesmo, um projecto cultural, de modo que o primeiro desafio cultural é preservar e acrescentar as conquistas da Revolução, as materiais e as espirituais. Este primeiro desafio contém já muitas dificuldades, mas é relativamente factível e o povo cubano consegui-o nas piores circunstâncias.

O segundo desafio é fazer crescer esse acervo material e espiritual que alcançámos visto que, a longo prazo, ele exige o compromisso de toda a sociedade cubana para gerar acções de compromisso total com um projecto de nação, um projecto para a sociedade.

A curto e médio prazo as condições estão afectadas pela necessidade de reconstruir as bases económicas da sociedade cubana, garantindo a viabilidade dos seus antigos êxitos em termos económicos, pois é real que Cuba enfrenta uma crise desde os anos noventa. O desafio às crises que se abateram sobre a sociedade cubana é um processo de recuperação ainda não concluído.

De facto, o processo de reformas económicas que estão a ser promovidas fazem parte dessa recuperação e a ideia é que o desenvolvimento cultural contribua para a sustentação do desenvolvimento material e espiritual da realidade cubana, entre outras coisas, sustentando a vontade política e ética da realidade cubana a favor dessas metas históricas; assim, podemos falar de uma cultura de resistência.

- Perante as alterações estruturais em Cuba, quais foram esses espaços concretos nos quais tem que estar presente a cultura da resistência? 

- O maior desafio, dizendo-o globalmente, estará no facto de as medidas estratégicas com que estamos tentando superar a crise irem produzindo uma sociedade diferente da que tínhamos, a que foi criada pela Revolução, em que eram muitos os desafios que se nos colocavam. Particularizando um pouco, as reformas produzem impactos sociais; talvez o mais importante seja o que está criando uma sociedade mais desigual do que a anterior, o que nos leva a colocar diversas questões:

Como lidar com essa desigualdade? Como fazer para que, dentro desses parâmetros, essa desigualdade seja a mínima necessária onde, o termo inferior não sejam os pobres, em que a subjectividade social nunca se conforme com as vantagens e privilégios dos sectores colocados na parte superior da desigualdade?

Como conseguir uma cultura que nunca aceite a desigualdade e que isso se torne um princípio ético? Creio que esse desafio pode ter muitas manifestações, e em Cuba, o que nós enfrentamos é, resumidamente, que as reformas de todo o tipo, mas fundamentalmente as económicas, produzam uma sociedade diferente, com uma cultura de contenção que limite os seus efeitos negativos, que dinamize os elementos positivos sobre os negativos e, sobretudo, que reconstrua uma subjectividade social maioritariamente favorável a esse projecto de nação e a esse projecto de vida para os quais se fez a Revolução.

- Como é que as iniciativas realizadas por organizações como CIERIC dentro deste VII Encontro Regional de Intercâmbio de Experiências podem conduzir aos desafios que Cuba vive hoje? 

- As instituições e projectos promovidos pelo CIERIC, pela UNEAC (União Nacional de Escritores e Artistas de Cuba) e outras organizações têm a grande virtude de se ocuparem de uma dimensão da realidade cubana, menos tratada pelas políticas públicas, a saber: o espaço territorial e o espaço comunitário. 

Um dos problemas que enfrenta o socialismo real, que é nele que vivemos, é um desenho institucional excessivamente vertical, centralizado e, por isso mesmo, burocratizado. Este desenho institucional tende a produzir sempre políticas gerais, universais, nacionais, comuns, etc., deixando de fora o concreto, o particular, as vantagens e desvantagens do local, do territorial; sobretudo, não dá lugar à iniciativa, à criatividade das pessoas e não consegue apoiar adequadamente aquilo a que chamamos «o senso comum».

O senso comum é sempre local e comunitário, nunca se expressa nos altos níveis nem nos grandes ambientes, o senso comum que temos de partilhar é eminentemente local. Estes projectos novos têm a grande virtude de se proporem apoiar este senso comum local e comunitariamente, bem como a promover capacidades, recursos locais e comunitários desaproveitados, que o modelo global do socialismo não valoriza e desaproveita, devido ao modelo não conseguir incluir o comunitário, pelo que a pergunta será sempre: o poder popular é isso? Creio que estes projectos estão a contribuir para uma parte do que faz falta ao socialismo real que é o desenvolvimento comunitário.

(*)  Prémio Nacional de Ciências Sociais 2014

Publicação original Rosa Luxemburg Stiftung (www.rosaluxemburgstiftung.de/).
Retirado por La Haine (www.lahaine.org/mundo.php/los-desafios-culturales-en-la)

Tradução de José Paulo Gascão

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