Venezuela: construir o auge ante o retrocesso!

                                                                  
  

Marco Teruggi, de Caracas/Resumen Latinoamericano, 19 de junho de 2015 –

1- O atual cenário parece indicar a existência de um retrocesso cada vez mais marcado de um setor do povo venezuelano. Para descrever este fenômeno é necessário trazer a explicação feita por Rodolfo Walsh: “As massas não retrocedem para o vazio, mas para o mal terreno, mas conhecido, para relações que dominam, para práticas comuns, em definitivo para sua própria história, sua própria cultura e sua própria psicologia, ou seja, para os componentes de sua identidade social e política”.

Por que o retrocesso? A morte de Hugo Chávez, a permanência e aprofundamento da guerra econômica, as respostas insuficientes sobre os fatos referentes a esse ponto por parte do Governo, a crescente perda de credibilidade que opera devido a esta situação, são algumas das causas do fenômeno. 

Em que se expressa? Em desmobilização política e em eventos que muitos apontam como marca de ingratidão, traição popular: “bachaqueo”, revenda de conquistas da Revolução, vendas especulativas, contrabando, “raspacupos”, etc.

Não se trata de desculpar estes atos, nem de ver traidores em cada esquina, mas de entendê-los sob a lógica do retrocesso. Porque, quais são as práticas comuns de uma sociedade regida durante décadas por uma cultura petroleira da revenda improdutiva? Dito de outro modo: ante a dificuldade econômica sustentada e em crescimento, seria esperado que os setores populares se voltassem para a compra e revenda, ou para a formação de empresas de propriedade social no marco das comunas? Que buscassem a saída dentro dos mecanismos do mercado ou dentro das formas possíveis desta transição?

2- O passar do tempo e o aprofundamento da guerra econômica ampliam este fenômeno. Esse é seu objetivo: empurrar para o já conhecido e depredador, corromper o conquistado até anulá-lo. No entanto, junto ao retrocesso se vê desenvolvendo outro processo, sua antítese em termos de práticas, valores e resultados: o crescimento comunal, experiência que mais potencializa o que foi implantado, e o aparecimento, ainda incipiente em muitos casos, dos conselhos de governo popular, instâncias inovadoras de projetar a formação de um sistema de cogoverno.

O amadurecimento do processo comunal parece indicar que ali, em articulação com alguns movimentos sociais inseridos nestes processos, se encontra atualmente parte importante da vanguarda coletiva e popular da Revolução. Fraco talvez para as dimensões das tarefas planejadas, porém em pé, com um acúmulo qualitativo e quantitativo inexistente em anos anteriores, e projetado em pilares estratégicos: governo do povo, autogestão, controle e libertação territorial, etc.

Nesta dinâmica, o apoio e o incentivo de Nicolás Maduro foram imprescindíveis, apesar de serem poucos os ministérios, governos estaduais e prefeituras que respaldem o processo comunal e a formação dos nascentes conselhos. Talvez isto não seja inovador, porém a atual situação, onde o tempo é uma guilhotina, torna a situação urgente.

3- A luta de classes não acontece somente entre o chavismo e o inimigo nacional e estrangeiro: a burguesia, a oligarquia e o imperialismo, que buscam sua revanche classista. Também se encontra dentro do mesmo chavismo – as tensões desatadas pelo crescimento comunal é um exemplo –, e é parte nodal da atual situação. Tampouco parece ser algo novo: a heterogeneidade do chavismo foi fundamental, assim como também a capacidade de Hugo Chávez de direcionar sempre o movimento para suas facetas mais revolucionárias.

Nessa complexidade, a atual situação parece indicar certo estancamento desfavorável ao aprofundamento revolucionário, traduzido na não adoção – após já dois anos de guerra econômica – de algumas medidas solicitadas por muitos – comunas, conselhos presidenciais, movimentos sociais, intelectualidade crítica e participante do processo, etc. Para citar algumas: a nacionalização de ramos chaves do comércio exterior, a fiscalização popular, a colocação em marcha de planos especiais de produção industrial e agrícola, o encerramento da sangria na fronteira.

Ante a situação iniciada em 2013 predominou uma busca pela resolução estatal e pelas tentativas de acordos com os setores privados. Os resultados atuais, seguindo esta direção, parecem golpear sobre as duas dinâmicas sociais: a acentuação do retrocesso e o mal-estar nos setores organizados, na vanguarda coletiva e popular.

4- Ante o cenário de deterioração constante da economia – a direita sabe manter uma guerra sem trégua baseando-se na propriedade dos meios de produção, campanhas psicológicas e apoiando-se sobre setores corruptos e burocráticos do chavismo – a comunicação oficial não parece poder construir um discurso necessário. O relato propagandístico, centrado em torno do governo, se mostrou sem capacidade de responder e dialogar com os setores populares em retrocesso e aqueles organizados – que debatem, criticam, propõem, etc.

A repetição de palavras, consignas e ideias força – denúncia da guerra econômica, o golpismo da direita e o imperialismo, parecem ir distanciando-se, deixando de fora muitos dos debates do dia a dia do povo. É preciso incorporar as questões mais problemáticas – o caso da produção e do aumento acelerado de preços, por exemplo –, falar de falências, reconhecê-las e apontar soluções. São aspectos que a linha oficial não incorporou.

Ante essa necessidade comunicativa, vários espaços tentam apontar esses debates, construindo um relato das experiências populares e seus projetos, uma narrativa das comunas e do empoderamento – o caso do portal Cultura Nuestra (laculturanuestra.com) busca ser um ensaio nessa direção. Porém, é certo que existe um alcance que só pode ser obtido pelos meios oficiais/estatais, e sua rigidez e lógica de campanha permanente – criticada por Hugo Chávez – agrava o quadro atual, distanciando o relato da realidade.

5- Esta situação em constante movimento terá como ponto de inflexão as próximas eleições parlamentares: perdê-las seria a abertura de um cenário de confronto direto, o início da tentativa de revanche – porta-vozes da direita já reconhecem a existência em território venezuelano de unidades paramilitares. Perder não é uma possibilidade, assim como o é uma ruptura do chavismo.

Porém, ante o que parecia ser o estancamento no qual cresce o retrocesso e o mal-estar nos setores mais avançados, parece necessário – além de como se vem fazendo, disputando candidaturas dentro do PSUV para transformar lógicas verticais onde restam votos e tradição – retomar níveis de mobilização popular.

Para mostrar respaldo ativo, crítico, com propostas, incomodar a burocracia instalada no aparato estatal em postos de direção, porém também acrescida pela realidade em deterioração dos trabalhadores do Estado – um dos setores que mais se viu afetado pelo crescimento irracional de preços.

Retomar a iniciativa, um ato que poderia ser impulsionado por Nicolás Maduro em aliança com os setores populares organizados, chamando a ocupar o cenário público, as ruas, ensaiando fiscalizações populares – com poderes reais – começando com as experiências de organização territorial mais avançada, poderiam ser passos para sair dos tempos permanentes da defensiva. Existe no povo – que vem resistindo à guerra econômica como poucos povos poderiam fazer – a força para tentar esses movimentos, para voltar a levantar o auge que aguarda em silêncio seu retorno.

6- A luta de classes implica justamente isso, lutar, e como bem disse Jorge Massetti, existem os que lutam e os que choram, e só se pode estar do primeiro lado caso se carregue o desejo de transformação, de aprofundamento e saída revolucionária.

O apontamento das carências leva à responsabilidade de contribuir com sua solução – ainda que seja esta somente parcial, neste caso a partir da comunicação e da tentativa entre outras coisas de viabilizar o processo comunal e de empoderamento popular. Mais que nunca nesta etapa, na qual a definição por parte do imperialismo e das burguesias do continente de acabar com a Revolução Bolivariana – ou seja, conosco, física, ideológica e moralmente –, não tem volta.

Creio, como afirmou Vicente Zito Lema em sua recente passagem por Caracas, que: “Trata-se de construir os atos sociais do bem, construir do que em sonho chamamos de revolução e, na prática, chamamos de atos da revolução. Atos que demandam cada um. Porque se alguém deposita a vida, a construção da vida só nos heróis, nos anjos e nos mártires, não é um bom companheiro. Quanto mais construirmos cada um de nós pelo bem de todos, mais fácil será a tarefa. Porque semelhante tarefa de construir a cultura da revolução mata dia a dia os que estão a cargo das tarefas mais difíceis. Cada um é o ator da revolução”.

E creio, sobretudo, na capacidade de um povo que conseguiu uma das únicas vitórias populares do continente contra um Golpe de Estado como foi em 13 de abril de 2002, que demonstrou sua força criadora, sua imensa reserva moral e sua capacidade de avançar no exercício da liberdade como poucas vezes foi visto na história.

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2015/06/19/venezuela-construir-la-epica-ante-el-repliegue/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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