Militares que foram perseguidos, torturados e cassados à época da ditadura militar prestam depoimento em ato público

                                                                  

                                                                                                            Julia Araujo

“Não fui expulso da corporação, mas fui torturado, porque comentei que a minha família era adepta das ideias de João Goulart. Os agentes foram à minha casa e, em uma conversa sobre política com os meus pais, eles acabaram confirmando o meu comentário. Dias depois me chamaram para ajudar a lavar um espaço, mas três militares encapuzados começaram a me agredir. Fui jogado dentro de um buraco fundo que fedia a esgoto. Fiquei confinado ali por três dias e três noites. Os meus parentes não sabiam de nada disso até o início desse ano e só consegui falar por causa do tratamento psicológico dado pelo projeto Clínicas do Testemunho”.

Esse foi o depoimento de Edvaldo Figueiredo, oficial da Aeronáutica, durante o ato “Militares perseguidos e torturados e a Justiça de Transição", organizado pelo Projeto Terapêutico Clínicas do Testemunho-RJ, vinculado à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, e pela Comissão da Verdade do Rio, que aconteceu, nesta quarta-feira (03/06), na sede da OAB. O objetivo foi, por meio de depoimentos, discutir a perseguição política aos militares que se colocaram contra o golpe.

“Além do prejuízo profissional, que gerou muito sofrimento, há os traumas psicológicos, por conta das torturas que sofreram. Esse ato foi justamente para ouvi-los e trazer a público essa violência sofrida. Muitos militares foram excluídos das diferentes forças e, por isso, tem um regime jurídico diferenciado, e querem ser ouvidos pelo Poder Judiciário para terem seus direitos restabelecidos”, comentou Rosa Cardoso, na primeira atividade como presidente da Comissão da Verdade do Rio.

Tortura; impedimento de cuidados; interrupção dos projetos de vida; métodos de intimidação e silenciamento; efeitos na relação familiar; impossibilidade de inserção no mercado de trabalho; locais de tortura e companheiros que sofreram com tortura e prisões foram os eixos norteadores dos depoimentos de militares que foram perseguidos, torturados e cassados à época da ditadura militar.

“O direito do soldado é não ter direitos. Se algum superior ouvisse a gente falando sobre Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Brizola ou qualquer pessoa que lutasse pelos menos favorecidos, nós éramos perseguidos e ainda tinha a questão do racismo lá dentro. Não existe oficial negro dentro das Forças Armadas. Isso tem que acabar”, destacou Dailton Soares, que foi lotado na Base Aérea do Galeão e, por conta da tortura que sofreu, perdeu parte da audição.

Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e Secretário Executivo do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul, participou da atividade e disse: “Alguns militares disseram não ao regime e resistiram. Devemos a eles parte da democracia que vivemos hoje”.

Além de Paulo Abrão, estiveram presentes Eugênia Gonzaga, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Sergio Suiama, integrante do GT Transição do Ministério Público Federal, e Wadih Damous, deputado federal. 
“A história desses militares é pouco ou muito mal contada. Até hoje eles são perseguidos e não tem seus direitos garantidos”, disse ele. (Com a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro)


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