Espaço em festival francês evidencia momento de prestígio da animação brasileira no mundo



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         Atual bicampeão da competição na categoria de longas-metragens, Brasil concorrerá neste ano em Annecy com o curta 'Guida', de Rosana Urbes         

Adriano Garrett (*)


      
Em um período em que a produção brasileira tem enfrentado dificuldades para entrar nas competições de grandes festivais de cinema, a exemplo de Cannes e Veneza, o campo da animação surge como uma exceção quanto à projeção internacional do cinema brasileiro.

Na cidade francesa de Annecy, onde é realizado anualmente o principal evento mundial voltado a produções que utilizam esta técnica, o país saiu das duas últimas edições com o prêmio de melhor longa-metragem - Uma História de Amor e Fúria, de Luiz Bolognesi, levou o troféu em 2013, enquanto O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, ficou com a honraria em 2014.

Neste ano o festival francês vai ocorrer entre os dias 15 e 20 de junho, e o Brasil marcará presença de novo. Na competição de curtas-metragens, será exibido o filme Guida, de Rosana Urbes.

"O que a gente percebe é que eles reconhecem nesse cinema de animação brasileiro uma qualidade autoral inesperada. São trabalhos que não fazem concessões para conquistar o público com clichês ou chavões, e ao mesmo tempo vão para uma linha artística muito original. Muitos países, como Argentina e Espanha, acabam tentando imitar os filmes americanos, fazer genéricos da Pixar, e eles não têm sido muitos felizes nisso. Nós fomos por outro caminho”, opina Luiz Bolognesi, que depois de receber o troféu em Annecy viajou por vários festivais do mundo para apresentar Uma História de Amor e Fúria.

Apesar de ter recebido o primeiro prêmio para o Brasil em Annecy, algo que até pouco tempo era inimaginável, Bolognesi não se considera um pioneiro dentro do cenário da animação brasileira. Usando uma metáfora peculiar, ele destaca o papel dos curta-metragistas nacionais nessa trajetória.

“Há pelo menos uma década o Brasil produz muitos curtas-metragens de animação por ano. A maioria deles tem experiência de linguagem, com muita independência e criatividade. Os desbravadores são dessa geração de curta-metragistas que vem desde os anos setenta. 

Lá atrás, o cinema brasileiro de animação apostou no vinho de qualidade, e não no garrafão de cinco litros. De repente, nosso vinho começou a ser consumido e apreciado pelos franceses e italianos. Hoje vemos que valeu a pena apostar na qualidade”, aponta o cineasta.

“Erro que deu certo”

Roteirista conceituado no cenário brasileiro, com trabalhos como Bicho de Sete Cabeças, Chega de Saudade e Terra Vermelha no currículo, Luiz Bolognesi gostava desde criança de histórias em quadrinho e graphic novels. Este fato, somado ao apreço pelo estudo da história brasileira, o levou a escolher a animação como técnica para a realização de seu primeiro longa-metragem como diretor.

“Como roteirista, a animação era para mim uma espécie de ‘terra prometida’, porque tudo pode ser desenhado. Em um filme live-action, se você não tem muito dinheiro e quer trabalhar no universo da fabulação e do mitológico, há um grande risco de o resultado ser tosco ou vulgar. 

Na animação isso fica elegante, bacana. Minha ida para esse território foi um grande erro que deu certo. Tivemos muitas dificuldades, mas toda equipe que trabalhou no filme é hoje reconhecida”, celebra Bolognesi.

O título Uma História de Amor e Fúria retrata o amor entre um herói imortal e uma mulher por quem ele é apaixonado há 600 anos. O filme perpassa quatro fases da história do Brasil: a colonização, a escravidão, a ditadura civil-militar e um futuro imaginado em que há uma guerra pela água no Rio de Janeiro.

A temática política também está presente em O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, que recebeu, além do prêmio de melhor filme, o troféu do público no Festival de Annecy de 2014, e teve seus direitos de exibição vendidos para mais de 80 países. 

Na história, um garoto que mora em uma área rural parte em busca do pai, que se mudou para a cidade. Sob o ponto de vista do menino, o filme traz uma imagem crítica sobre a sociedade capitalista, evidenciando temáticas como a pobreza, a exploração de mão de obra e a falta de perspectiva dos trabalhadores.

Os dois filmes, além de se revelarem muito autorais, levantando preocupações estéticas e temáticas específicas de seus realizadores, servem para contradizer um senso comum muito associado às animações: a de que elas seriam voltadas apenas para o público infantil.

Tempo relativo

Guida, o curta-metragem que representará o Brasil neste ano na competição do Festival de Annecy, já foi exibido em mais de 60 eventos de cinema pelo mundo e passou da marca de 40 prêmios recebidos, boa parte deles ofertada pelo público.

Assista ao trailer do curta 'Guida', de Rosana Urbes:

O filme também traz temáticas que podem ser apreciadas com maior profundidade pelos adultos. A história, protagonizada por uma senhora que trabalha há 30 anos como arquivista no Fórum João Mendes e aceita posar como modelo vivo após ver um anúncio no jornal, trata de assuntos como a autoestima e a aceitação da idade e do próprio corpo.

É o trabalho de estreia da diretora Rosana Urbes, mas isso não quer dizer que se trata de uma artista inexperiente. Com gosto pela área desde pequena, quando as professoras da escola a chamavam para desenhar na lousa sempre que necessário, Rosana trabalhou durante oito anos na Disney, onde foi animadora de personagens em longas-metragens como Mulan, Tarzan e Lilo & Stitch.

“Saí daqui querendo voltar. Nunca tive o sonho de ir para fora, queria fazer as coisas aqui. Quando apareceu a oportunidade de ir para a Disney era um momento em que não havia quase nada de animação acontecendo no Brasil, então a minha ideia era trabalhar lá, aprender, e depois trazer o que consegui descobrir para partilhar com a comunidade de animação daqui”, conta a diretora.

Além deste desejo, o que pesou também para o seu retorno ao Brasil foi a mudança desencadeada pela dominância cada vez maior das animações computacionais 3D nos grandes estúdios norte-americanos.

Rejeição ao 3D é 'resistência estética'

“Eu decidi sair da Disney quando entendi que eles iam parar de fazer filmes 2D. Na época em que trabalhei em Lilo & Stitch, eles começaram a treinar animadores para fazer 3D. Lembro que me deram uma ‘vassourinha’ que tinha vários comandos, e eu achei aquele negócio muito chato e esquisito. Tenho uma relação visceral com a arte da animação desenhada”, diz Rosana.

A escolha pela animação tradicional em duas dimensões é uma constante não só nos filmes selecionados para Annecy, mas também em outros trabalhos brasileiros de animação que obtiveram destaque recentemente, como o curta Castillo Y El Armado, de Pedro Harres, selecionado para a Mostra Orizzonti do Festival de Veneza de 2014. Quem trabalha com a técnica faz questão de ressaltar as suas diferenças em relação ao ultrarrealismo propagado pelos trabalhos em computação gráfica.

“Nós [animadores] somos meio transtornados com o tempo. Você fica trabalhando por três semanas para fazer três segundos de filme. Eu tenho dificuldade para chegar na hora nos compromissos, porque sempre acho que em cinco minutos dá para fazer muito mais coisa do que realmente é possível”, revela a diretora de Guida.



(*) Adriano Garrett é editor do site Cine Festivais

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