Brevíssimo ensaio sobre a dor

                                        


Mozahir Salomão


Não deve haver experiência mais íntima, de escavar-se a si próprio do que a dor. Fala-se aqui da dor física, corpórea, mundana. Indizível por princípio, seu agir se desdobra entre a crueldade, a esperança e a finitude. Tanto melhor se couberem em um relato.

 Essas, pontuou Arendt, são as suportáveis. Outras impõem-se em absoluto poder de, ao instalar-se, nos sequestrarem do entorno, do contexto. Pior, sequestrarem-nos de nós mesmos. É sempre a tessitura do inenarrável. Linha tênue entre caos e o absoluto. Cosmodor.

Caixa de Pan-dor-a em que somos lançados agonicamente no vazio dos sentidos do mundo. Qual é mesmo o sentido na dor? É o corpo que fala, grotescamente, para dizer-nos de nossas rupturas, nossos fracassos sistêmicos e embotamentos orgânicos. 

É o símbolo esvaziado do corpo em litígio. A dor nos coloca diante do outro, nós mesmos, que sofre. Um eu arrancado de si e submetido monoliticamente à prevalência de uma sensação única. A dor nos dessubjetiva. É o eu alterado, vilipendiado nesse descontrole dos sentidos e de fuga nem sempre possível. A dor é o eu transtornado. 

Um si mesmo aviltado. O eu que menos sabe de mim mesmo. Ela não vence o tempo, mas o suspende. Não há antes nem depois. É o presente que não passa. A permanência do não-estar. Do não-ser. O passado que não houve. (Adaptação do texto original para este blog (parágrafos)


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