Após pedido da ONU, Paraguai anuncia que vai identificar desaparecidos da ditadura


Operação Condor uniu aparelhos repressivos de ditaduras sul-americanas para perseguir opositores políticos (Carlos Latuff/2008/Divulgação


Comitê das Nações Unidas recomendou que Paraguai investigasse desaparecimentos forçados durante governo militar de Stroessner
      
O governo do Paraguai aprovou nesta quinta-feira (09/10) a criação de um fundo no valor de US$ 150 mil para identificar vítimas desaparecidas durante a ditadura militar de Alferdo Stroessner (1954-1989), a mais longa da América do Sul.

Após um pedido expresso da ONU (Organização das Nações Unidas) para que o país investigue os desaparecimentos forçados cometidos durante o período, o Ministério da Justiça paraguaio liberou a verba para realizar a identificação genética das ossadas de 27 vítimas.

"O importante é que o mesmo Estado que cometeu esses crimes horrendos contra a dignidade humana finalmente assuma o assunto. É como exigir a um pai que reconheça seu próprio filho", explicou à agência Efe Rogelio Goiburu, responsável por iniciar as escavações. Goiburu dedicou a última década para investigar o paradeiro de fossas e cujo pai foi sequestrado durante a ditadura.

Há duas semanas, o Comitê contra o Desaparecimento Forçado das Nações Unidas recomendou que o Paraguai averiguasse e julgasse os responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura. O órgão da ONU mostrou especial preocupação com "o reduzido número de vítimas que teriam sido localizadas e que ainda não foram identificadas".

Em 2011, a ONU fez pedido semelhante ao Brasil, recomendando que o governo brasileiro trabalhasse para investigar e punir oficiais que praticaram tortura e outros crimes contra a humanidade durante a ditadura civil-militar (1964-1985). O Brasil, inclusive, já foi condenado pela CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) da OEA (Organização dos Estados Americanos) por não ter investigado crimes cometidos no combate à Guerrilha do Araguaia.

Convênio firmado

O governo do Paraguai assinou um convênio para que o Inecip (Instituto de Estudos Comparados em Ciências Penais e Sociais do Paraguai) administre o fundo de US$ 150 mil, travado durante anos apesar dos pedidos das vítimas.

O primeiro uso do dinheiro será feito na contratação de um instituto legista argentino para que analise em Assunção os restos achados durante anos de busca por iniciativa das famílias das pessoas desaparecidas. O trabalho dos especialistas consistirá em resgatar material genético e fazer um perfil que possa ser comparado com as amostras de sangue de 400 familiares, das quais só puderam ser coletadas 80 até agora, pela falta de fundos.


"Vamos poder identificar compatriotas que deram sua vida para que hoje possamos ter democracia e convencer cada vez mais que, sem o compromisso e a responsabilidade do Estado, é impossível construir a democracia com justiça social que queremos", disse Goiburu. Em repetidas ocasiões, o ativista havia pedido publicamente o desembolso do fundo, orçado e aprovado há dois anos pelo governo anterior, para a identificação de 20 corpos de pessoas assassinadas pelo regime militar — agora já são 27.

Saldo da ditadura

A CJV (Comissão de Verdade e Justiça) registrou 425 executados ou desaparecidos e quase 20 mil detidos durante o governo de Stroessner, a grande maioria vítimas de surras, choques elétricos, queimaduras e outras formas de tortura física.

Outras 20.814 pessoas se viram forçadas ao exílio por motivos políticos durante a ditadura que se transformou na mais longa da América do Sul e sócia da Operação Condor, um plano de repressão dos governos ditatoriais do Cone Sul.

Goiburu explicou que o convênio também prevê a formação do primeiro banco de dados genéticos do Paraguai, começando pelos familiares dos desaparecidos.

"Portanto, como valor agregado, obteremos, com mais amostras que tomemos no futuro em todo o território, o perfil genético da população paraguaia que até o momento não temos", comentou.

 Com informações da Agência Efe/Opera Mundi)

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