Hospital foi usado para tortura e médico dava assistência a torturadores

                                

Em depoimentos prestados hoje no Arquivo Nacional, sede da CNV no Rio de Janeiro, Pedro Nin Ferreira(foto) e Felipe Carvalho Nin Ferreira, irmão e o sobrinho de Raul Amaro Nin Ferreira, morto em agosto de 1971 em decorrência de tortura, afirmaram que o Hospital Central do Exército foi um dos locais em que a vítima foi torturada.

Pedro Nin estava prestes a completar 17 anos quando seu irmão foi preso. "Quando soubemos que o Raul tinha ido para o hospital, pensávamos que ele tinha apanhado, mas que iriam cuidar dele, jamais o contrário", afirmou o irmão de Raul.

A família de Raul Amaro e a Comissão da Verdade do Rio requisitaram ao médico legista Nelson Massini, professor titular de medicina legal da faculdade de direito da UERJ, um laudo médico sobre o caso. 

O laudo aponta que, em virtude das características das lesões encontradas no corpo de Raul, ele não só morreu no HCE, como as dependências do hospital foram usadas para tortura. Documentos encontrados pela família e pelo pesquisador Marcelo Zelic indicam que a tortura possa ter sido cometida por agentes do DOPS. A requisição para comparecimento de dois policiais ao hospital na véspera da morte foi localizada pela família e o pesquisador.

Pedro afirmou que a família Ferreira tem orgulho de ter colaborado com a CNV e a CEV-Rio, pois a pesquisa feita pelos parentes de Raul Amaro ajudará a demonstrar que não só dependências que ficaram marcadas pela tortura, como o Doi-Codi, foram usadas para a prática de graves violações de direitos humanos. "As pessoas sabem o que houve no Doi-Codi. Agora vão saber que um hospital fez parte do sistema de repressão", afirmou.

Para o membro da CNV Paulo Sérgio Pinheiro, que conduziu o depoimento, os testemunhos e a pesquisa da família Ferreira ajudam a demonstrar que mortes como a de Raul "não foram excessos, mas parte de uma política de Estado", disse. 

Segundo Pinheiro, a visita de amanhã ao HCE (saiba mais abaixo) "é também para mostrar que o HCE foi usado para matar Raul Amaro Nin Ferreira". Além de Pinheiro, participaram dos depoimentos sobre o caso as integrantes da CNV Maria Rita Kehl e Rosa Cardoso, e o membro da CEV-Rio, João Ricardo Dornelles.

Além deles, prestou depoimento o médico Luiz Tenório. Ele afirmou que foi torturado por uma equipe do DOI do Rio de Janeiro que contou com a assistência do médico militar Ricardo Agnese Fayad, general reformado do Exército. A função de Fayad no DOI e na PE, segundo o depoente e outros presos políticos, era verificar se a tortura poderia prosseguir ou se deveria ser interrompida para evitar a morte do interrogado.

Tenório afirmou que foi examinado pelo oficial em 72, quando sofria torturas no Doi do Rio. Ele teria sido liberado por Fayad para voltar às mãos dos agentes que o torturavam. Convocado para depor à CNV, o general Ricardo Fayad compareceu no último dia 8 de setembro perante os membros da Comissão, mas negou-se a responder às perguntas que lhe foram feitas, inclusive as mais simples, a respeito do início de sua carreira militar. O depoimento de Luiz Tenório (veja aqui) foi tomado pelas integrantes da CNV Rosa Cardoso e Maria Rita Kehl.

Após os depoimentos, a CNV apresentou seu posicionamento sobre o ofício enviado pelo Ministério da Defesa no último dia 19, com as respostas da Marinha, Exército e Aeronáutica sobre o pedido de esclarecimentos feito pela CNV em agosto. Saiba mais aqui.

DILIGÊNCIAS NO DOI-CODI E NO HCE – Amanhã, a partir das 10h30, a CNV e a CEV-Rio realizarão duas diligências de reconhecimento.

A primeira será no 1º Batalhão de Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, quartel que abrigou o Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército, o Doi do Rio, local da tortura e morte do deputado Rubens Paiva e um dos principais centros de tortura do RJ.

Depois, a partir das 15h, a Comissão fará o reconhecimento do Hospital Central do Exército, no bairro de Benfica, local da morte de Raul Amaro Nin Ferreira. Familiares de Ferreira, sobreviventes e testemunhas de graves violações de direitos humanos acompanharão ambas as diligências e darão seus testemunhos in loco aos peritos e assessores da CNV, como já ocorreu no Doi-Codi de São Paulo, Vila Militar do Rio, Base Aérea do Galeão (RJ) e Casa Azul, em Marabá.

Na diligência no HCE também participarão integrantes das Clínicas do Testemunho, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, da Comissão Nacional de Reforma Sanitária e do Conselho Regional de Medicina do RJ, interlocutores com os quais a CEV-Rio tem debatido a questão da utilização do HCE como centro de tortura.

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