CNV ouve mais agentes da ditadura



    Em dois dias, a CNV ouve ex-agentes da repressão sobre o caso Rubens Paiva, a Guerrilha do Araguaia e sobre graves violações de direitos humanos no Doi-Codi de São Paulo

Após uma segunda-feira de silêncio, justificativas de ausência e negativas mal-educadas de militares à Comissão Nacional da Verdade, três ex-agentes da repressão foram ouvidos em Brasília, terça-feira (9 de setembro), pela CNV.

O general reformado José Antonio Nogueira Belham, assistido por advogados, requereu que seu depoimento fosse reservado. Ele reiterou sua posição, em depoimento espontâneo prestado ao ex-integrante da CNV, Claudio Fonteles, em 2013, no qual alegou que estava de férias quando ocorreu a prisão, tortura, morte e desaparecimento do corpo do deputado Rubens Paiva, no Doi-Codi do Rio de Janeiro, destacamento que comandava em 1971.

O general, contudo, não soube explicar a que título recebeu diárias de alimentação nos dias 17, 20, 23, 26 e 29 de janeiro. Na avaliação da CNV, o recebimento de diárias comprova que Belham estava de serviço e que comandava, de fato, o Doi-Codi por ocasião da morte de Paiva e seu desaparecimento, conforme testemunhos e documentos colhidos pela CNV, como por exemplo demonstra a lista de objetos apreendidos pela Aeronáutica quando o deputado foi preso, na qual consta uma anotação à caneta informando que o então major esteve com dois cadernos de anotação do deputado. Leia o relatório preliminar de pesquisa sobre o caso Rubens Paiva.

Após reiterar sua posição sobre a questão das férias, Belham negou-se a responder às demais perguntas dos membros da CNV.

ADMISSÃO DE TORTURA – O ex-capitão do Exército e hoje coronel reformado, Pedro Ivo Moezia de Lima (foto) chegou de óculos escuros, acompanhado do filho, do neto e de um habeas corpus preventivo que lhe garantiria o direito de ficar calado. Antes de iniciar o depoimento, quando perguntado se se importava com a presença da imprensa, disse que fazia questão dos jornalistas.

Questionado se havia tortura no Doi-Codi, o coronel reformado primeiramente disse que institucionalmente não havia tortura, que essa não era uma prática oficial. "Eu imagino que possa ter havido (tortura), eu seria um inocente bancar o idiota aqui na frente de vocês. Quem nos ensinou a trabalhar foi a polícia militar e a civil. A civil era do Dops e lá era na base do pau. Mas, lá dentro do DOI-CODI eu nunca vi, não encostei a mão".

Entretanto, num segundo momento, Pedro Ivo disse que muito do que acontecia do DOI-CODI não era do conhecimento da maioria da tropa. "Havia uma espécie de comando paralelo no Exército porque nem todos concordavam sobre como as coisas estavam sendo feitas", disse. Depois dessa revelação o ex-capitão reconheceu que a tortura pode não ter sido oficial, mas que o estado brasileiro torturou e matou.

Pedro lvo disse ainda que nunca torturou, que nunca encostou em pessoas "eu atirei em alguns deles quando em equipe de busca. Nós íamos para efetuar prisão e quando chegávamos lá dávamos todas as condições para o cara se render, dando toda proteção, garantindo tudo o que eles quisessem. Nós éramos 20, 30, com metralhadora, granada e o cara, às vezes, com um 'fuzilzinho' querendo fazer frente à gente e como que nós íamos fazer se o cara abria fogo, se o cara se negava a se entregar? Começava o tiroteio e o resultado, lamentável para nós, era a morte desses jovens", disse. O depoimento de Ivo foi colhido pelo ouvidor da CNV, Adilson Carvalho, pelo assessor da Comissão, André Vilaron, e pelo coordenador da Comissão, Pedro Dallari. 

ARAGUAIA – Em seguida, a CNV colheu, ainda na manhã de terça-feira, o depoimento do professor universitário e advogado da União aposentado, Carlos Orlando Fonseca de Souza, ex-soldado conscrito do 2º Batalhão de Infantaria de Selva, de Belém, que atuou na campanha do Exército contra a Guerrilha do Araguaia no ano de 1972.

Souza afirmou em seu depoimento que soube, por intermédio de conversas com outros soldados que integravam um pelotão que atuou na região do município de Bom Jesus, no Sul do Pará, que a morte da guerrilheira Helenira Rezende de Souza Nazareth se deu em combate, numa troca de tiros entre ela e os três militares. Ele disse nunca ter ouvido desses ex-colegas a versão, publicada no livro Direito à Memória e a Verdade, de que a guerrilheira foi torturada antes de ser eliminada pelos militares.

Segundo Souza, após a morte da guerrilheira, a casa onde estavam os militares, localizada na mata, teria sido atacada por três dias pelos guerrilheiros que estariam tentando resgatar Helenira. Só então, após três dias sendo transportado no lombo de um burro, o corpo da guerrilheira foi entregue a oficiais e levado, provavelmente, para a localidade de Oito Barracas.

O depoimento foi colhido pelos membros da CNV Pedro Dallari, coordenador da Comissão, José Carlos Dias e José Paulo Cavalcanti Filho, que agradeceram o depoimento de Souza, mas acreditam que é necessário checar mais dados, pois não consideram crível a versão contada pelos colegas do ex-soldado de que os guerrilheiros teriam atacado três dias uma casa em que estavam os soldados, ao lado de um corpo.

"Porque não enterraram o corpo se ela estava morta?", perguntaram os comissários ao depoente, que disse que somente ex-oficiais à época poderiam esclarecer essa e outras dúvidas. Souza entregou à CNV os nomes de dois dos três militares que lhe fizeram essa confidência.

SE VIREM – Na segunda-feira (8), a CNV colheu somente o depoimento de um militar, o ex-subsecretário de Saúde do Exército, general reformado Ricardo Agnese Fayad, que recusou-se a responder às perguntas da Comissão sobre sua atuação no Doi-Codi do Rio e na Casa da Morte de Petrópolis. Assistido por advogados, ele respondeu a todas as perguntas com o "nada a declarar".

Após o depoimento, o coordenador da CNV, Pedro Dallari, anunciou o envio ao Ministério da Defesa de um pedido de esclarecimentos e apuração de possível ocorrência de transgressões disciplinares (veja aqui o ofício) por parte dos militares reformados José Conegundes do Nascimento e José Brant Teixeira (o primeiro atuou no Araguaia, o segundo, no Doi-Codi do Rio). Ambos negaram-se a atender a convocação da CNV para depor em Brasília.

Nascimento foi rude na resposta: "Não vou comparecer. Se virem. Não colaboro com o inimigo". Brant, por sua vez, alegou que só compareceria se fosse convocado pelo Comando do Exército.

Outros três militares alegaram razões médicas para não atenderem as convocações da CNV: o coronel Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o general reformado Leo Frederico Cinelli e o ex-auxiliar do adido militar em Buenos Aires, Ênio Mandetta. (Com o site da CNV)

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