Rede do Palácio do Planalto foi usada para alterar perfis de jornalistas na Wikipédia

                                                      
Jornalistas ficaram surpresos por serem alvos de críticas na enciclopédia livre

Christh Lopes (*) 
  
Atualizada às 16h50

A rede de internet do Palácio do Planalto foi usada para fazer mudanças nos perfis de jornalistas no Wikipédia em maio do ano passado. As alterações na enciclopédia livre criticam ao trabalho de Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg, que trabalham em veículos da Rede Globo. Em resposta, ao jornal O Globo, a Presidência da República explica que não foi responsável pelo ato. 

Por meio do Internet Protocol (IP), uma espécie de identidade digital, é possível visualizar de onde partiram as modificações. Em reportagem na manhã desta sexta-feira (8/7), O Globo afirma que tais alterações foram realizados pelo registro da Presidência da República. Porém, só os administradores desta rede têm como saber exatamente qual equipamento foi utilizado. 

A Wikipédia revela que as mudanças ocorreram nos dias 10 e 13 de maio. A primeira ocorreu no perfil da colunista Miriam Leitão, caracterizando as análises da jornalista como “desastrosas”. Três dias depois, a rede foi usada para relacioná-la ao banqueiro Daniel Dantas, pois “fez a mais corajosa e apaixonada defesa” do “ex-banqueiro condenado por corrupção entre outros crimes contra o patrimônio público”, diz. 

No perfil de Carlos Alberto Sardenberg, as alterações foram similares. No mesmo dia 10, quatro horas antes de ser modificado o de sua colega, a rede do Planalto começou a mudar a página que retrata o apresentador. O texto anterior já o mencionava como forte crítico das políticas econômicas de Lula e Dilma, “principalmente em relação aos cortes de juros promovidos nesses governos”.

“É irmão de Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban, instituição que tem grande interesse na manutenção de juros altos no Brasil, uma medida geralmente defendida também por Carlos Alberto Sardenberg em suas colunas. Já cometeu erros notáveis em suas previsões, como afirmar que 'a economia mundial segue em marcha de sólido crescimento. Sólido porque não é nenhuma bolha financeira' um ano antes de estourar a crise mundial de 2008”.

Ao longo dos três anos e meio do governo Dilma, o rede de internet do Palácio do Planalto realizou cerca de 170 alterações na Wikipédia, sendo que muitas delas foram em verbetes relativos a órgãos ligados à Presidência e ministros e ex-ministros como Moreira Franco, Antonio Palocci, Thomas Traumann, Ideli Salvatti e Alexandre Padilha, além do assessor especial da presidente, Marco Aurélio Garcia, e do vice-presidente, Michel Temer.

Sardenberg estuda ação judicial

À IMPRENSA, Carlos Alberto Sardenberg, da rádio CBN, diz não saber porque foi escolhido para ter o perfil modificado. Segundo ele, o episódio revela o “jogo sujo” na política, que seria “manifestar suas posições por vias perversas e lançar ofensas ao invés de partir para o debate. É inadmissível e antidemocrático entrar num perfil e fazer uma modificação clandestina para ofender pessoas”. 

“O ponto principal é acho antiético e antiprofissional. Há uma ameaça à liberdade de imprensa, além de ser uma ofensa, pois fazem ilações. Estudo junto com meus advogados para ver que tipo de crime isso caracteriza”, disse. 

Nos próximos dias, o jornalista deve cobrar um posicionamento do governo sobre o caso e destaca que há um responsável e que este precisa ser identificado de forma independente.

Ao criticar o posicionamento do governo no caso, Sardenberg afirma que está disposto a discutir todos os comentários feitos ao longo de sua carreira durante a gestão atual. “As minhas opiniões estão publicadas no meu site. Quem quiser saber o que penso, está tudo lá! Tudo anotado e registrado! Quer debater? Perfeitamente, estou à disposição. E, aliás, o faço todo dia!”.

Surpresa e desalento com o Palácio do Planalto

À IMPRENSA, Mirian afirma que “lamenta a forma que a democracia está sendo tão mal usada por esse governo. A democracia pela qual lutei na juventude não tolera este tipo de comportamento”. Segundo ela, tudo que foi escrito a respeito de sua pessoa pela rede do Palácio do Planalto não coincide com a realidade. “Eu sou jornalista de economia há 40 anos, não tenho nenhuma ligação nem fiz defesa de ninguém, e acho que a pessoa que praticou este crime deve estar na prisão. Então, nunca defenderia e não defendi”. 

Ao saber que o colega Sardenberg deve analisar junto aos advogados sobre levar o episódio ao âmbito judicial, Miriam afirma que ainda não consultou nenhum profissional a respeito do episódio. “Eu tenho um advogado que me defendeu quando fui atacada pelo Orestes Quércia e eu vou ouvi-lo sobre o que fazer. Da minha perspectiva, isso é crime e é inadmissível do ponto de vista do ordenamento democrático”.

Outro Lado

Em nota, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República afirma que é “lamentável que o endereço IP do Palácio do Planalto tenha sido usado para modificar os perfis do Wikipédia dos jornalistas Míriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg”. 

O governo ressalta ainda que a liberdade de expressão na internet é um direito de todos, mas é “absolutamente condenável à utilização de equipamentos públicos com o intuito de atacar a imagem de qualquer cidadão”.

A pasta afirma que após consulta à Secretaria de Administração da Presidência, constatou-se que é tecnicamente impossível identificar os responsáveis pelas modificações nos perfis dos jornalistas. “Isso porque os conteúdos da rede de internet de computadores do Palácio do Planalto, até julho deste ano, eram arquivados por no máximo seis meses. As alterações nos perfis dos jornalistas, citadas pela reportagem de O Globo, foram feitas em maio de 2013”.

“Outro dado técnico que dificulta a identificação de quem fez as modificações na Wikipédia é o fato de elas terem sido realizadas por um número de rede de internet do Palácio que também funciona para a rede wifi – sem fio”. Assim, qualquer pessoa, mesmo que em visita ao Palácio do Planalto, poderia, em tese, ter realizado as alterações, alega a secretaria. O que impossibilita a identificação do responsável pelas modificações nos perfis dos jornalistas em questão. 

Para que o caso não ocorra novamente, a secretaria destaca que desde julho deste ano foi instalado um novo software e que a memória do servidor do Palácio do Planalto foi triplicada, o que permiti arquivar por mais tempo todas as operações dos mais de 3,7 mil computadores vinculados à Presidência. “Ressaltamos que este governo sempre se pautou por uma relação respeitosa com a imprensa. A liberdade de imprensa é um dos pilares da nossa democracia”.

Repercussão 

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) divulgou nota nesta tarde para condenar a manipulação de informações e pede a apuração dos fatos. “Para a Abert, é de fundamental importância à apuração das denúncias pelo Palácio do Planalto e a garantia do direito à veracidade dos fatos”, escreveu Daniel Pimentel Slaviero, presidente da entidade.

Durante um evento na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da Republica, Gilberto Carvalho, caracterizou o ato como 'abominável’. "Não seria nossa vontade em fazer qualquer atitude dessa. O IP do Planalto é usado por muita gente, vamos fazer uma investigação para localizar de qual máquina partiu essa bobagem. Esse tipo de ação é abominável. Faremos de tudo para punir duramente. Isso não é aceitável em uma democracia", afirmou.

Para o ministro, a situação faz mal ao próprio governo. Porém, ele não soube informar se será aberta uma sindicância para investigar o caso. "Temos agora que localizar a responsabilidade e lamentar este episódio. Nossa rede de wifi é usada por muita gente, em reuniões. Fomos surpreendidos e jamais apoiaríamos uma situação dessas. É nefasta e reprovável".

Em nota, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) também condenou a alteração dos perfis dos jornalistas na enciclopédia virtual Wikipedia a partir da rede interna da Presidência da República e espera apuração do caso. "A ANJ espera que o Palácio do Planalto apure o ocorrido e tome as devidas providências".

(*) Com supervisão de Vanessa Gonçalves 

(Com o Portal da Revista Imprensa)

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