A COPA “AMARELOU”

                                                                                                 
                                                                                                                Tânia Rêgo/ABr                    
                  ONG Rio da Paz faz protesto na praia de Copacabana criticando gastos com a Copa do Mundo no Brasil (06/07/14)

              No país da Amazônia, o Mundial ficou aquém de suas metas ambientalistas
    
  
Pela segunda vez na história do Mundial de Futebol, o Brasil é o país anfitrião do maior evento esportivo do planeta. Talvez a principal diferença entre o torneio de 1950 e o de 2014 esteja no alcance e na instantaneidade com que bilhões de pessoas acompanham os jogos, resultados e fatos relacionados à Copa.

Ao mesmo tempo em que o futebol e as Copas ganharam cada vez mais adeptos e torcedores, maior passou a ser a cobertura da mídia do evento que acontece a cada quatro anos. No caso do Brasil de 2014, são cerca de 20 mil jornalistas de todos os cantos do mundo relatando, fotografando e mostrando o que acontece no país.

A Samuel, agora em sua versão eletrônica, também dedica o período da Copa a trazer o que a mídia independente do Brasil e do mundo vem registrando sobre o antes, o durante e o depois do evento, seus participantes e espectadores. Textos e vídeos postados diariamente darão a medida dos diferentes olhares e observações que irão marcar o cotidiano dos 32 países representados no evento.

Veja todo o material do especial Samuel na Copa:
Olhar bom de bola
A intimidade dos brasileiros com a essência do futebol
Seleção australiana tem música oficial gravada por cantora pop
Futebol se joga com a cabeça
Os apelidos das 32 seleções
Grécia aposta na comemoração
A primeira vez da Bósnia
Com toda Gana
A Copa tem gênero
"Allez les bleus! Viva l'Algérie!"
Venha celebrar com Camarões
Pikachu pega carona na seleção japonesa
Inglaterra nas eliminatórias
Honduras: onde o futebol explica a sociedade
Um amor tão grande pela Itália
Paixão em forma de figurinhas
Somos gigantes, somos fortes, somos os nigerianos
Torcida até debaixo d'água
Time de um homem só?
Quem tem medo do Chile
Gol contra
O bem-humorado fantasma uruguaio
Alemanha pronta para a Copa
As surpresas da seleção da Rússia
Cinco falácias e cinco verdades sobre a Copa
O negócio da prostituição
É hora de acreditar
Tem Copa para todo mundo
Boas lembranças
Contra o separatismo, Diabos Vermelhos
Onde o time estiver
Futebol arte: dos estádios para as praças
Futebol é coisa de comunista
As Copas dos brasileiros
Deu zebra
Clima de festa
Contra a violência doméstica
A Copa vista do céu
Seleção Mirim

Imaginava-se que esta seria a “Copa Verde”, a celebração da Copa do Mundo mais verde até hoje acontecendo no Brasil, o primeiro país em biodiversidade e vital para o modo como o mundo responde às mudanças climáticas.

Mas em vez de “Copa Verde”, o evento tornou-se motivo de conflitos pela injustiça social. Embora em vários aspectos o torneio tenha mostrado ser insustentável do ponto de vista ambiental, no final das contas o legado duradouro da Copa do Mundo pode representar uma mudança no modo como os futuros eventos esportivos mundiais serão comercializados e construídos.

Desde os Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, os megaeventos esportivos mais internacionais vêm tentando se definir como ambientalmente sustentáveis. Mas vários acadêmicos e especialistas em sustentabilidade concordam em que nenhum desses eventos – com o seu maciço rastro de carbono e imensa necessidade de infraestrutura – preencheu esse requisito no longo prazo.
A meta é realista? Outras prioridades normalmente deixam de lado as promessas verdes.

Este certamente é o caso no Brasil: a economia está claudicante, os brasileiros estão furiosos com a conta da Copa do Mundo, as mais cara até hoje, as acusações de corrupção estão no ar e os serviços públicos como saúde, educação, habitação e transporte estão em declínio. Os impactos sobre o meio ambiente estão quase no fim de uma longa lista de queixas.

Referência em sustentabilidade

Não se trata de dizer que megaeventos podem não causar impacto. A Copa do Mundo de 2006 na Alemanha empenhou-se em ser neutra em carbono. Os ingressos para as partidas também podiam ser usados nos sistemas de transporte público. Alguns estádios tinham energia solar, cisternas para coleta de água da chuva e estacionamento gratuito para bicicletas. Já as análises sobre as Olimpíadas de Pequim 2008 atribuem a esses jogos o avanço em tecnologias ambientais e a aceleração de algumas reformas nacionais na questão do meio ambiente. E as Olimpíadas de Londres 2012 foram elogiadas por fortalecer padrões de sustentabilidade, focando em estratégias que futuros megaeventos poderiam adotar.

Mais difícil mesmo é levar os esforços de sustentabilidade para além dos estádios. E as expectativas do público por sustentabilidade nesses eventos de larga escala estão aumentando. Hoje elas incluem não apenas emissões de carbono, controles de poluição e reciclagem, mas preocupações com a justiça social.

Nenhum megaevento até agora deixou isso tão em evidência como a Copa do Mundo deste ano. E mesmo assim a sustentabilidade a longo prazo continua sendo uma ilusão.
"Os tipos de avanços que ocorreram no Brasil relacionados com a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos não são o que a maioria das pessoas descreveria como sustentáveis em termos sociais ou físicos”, diz Jay Coakley, professor emérito de sociologia da Universidade do Colorado, em Colorado Springs (EUA), que estuda sustentabilidade em eventos esportivos.

Em segundo plano

Megaeventos esportivos se tornaram tão caros para as cidades anfitriãs que poucos recursos sobram para lidar com as necessidades das comunidades pobres e das classes trabalhadoras que eles afetam, disse Coakley. “A sustentabilidade ficou em segundo plano em relação a alimentação, habitação, assistência à saúde, educação e transporte público básico.”

A Fifa, organizadora da Copa do Mundo, anunciou sua estratégia de sustentabilidade há dois anos, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Sustentabilidade, no Rio de Janeiro (RIO+20). Incluía certificação no sistema internacional LEED de edifícios verdes para os estádios, compensações de carbono relacionadas ao Brasil, reciclagem e medidas de conservação da água.

Mas os protestos sobre a Copa que varreram o Brasil demonstraram a dissonância entre os compromissos da Fifa com um evento verde e ambientalmente sustentável e a gritaria da população por causa da falta de investimento social duradouro.

“As questões ambientais estiveram totalmente ausentes dos protestos”, disse Fabián Echegaray, fundador da Market Analysis, uma empresa de pesquisa de mercado com sede no Brasil, especializada em sustentabilidade.

Limitado a estádios

Echegaray acha que o plano da Fifa de compensação das emissões e as características verdes dos projetos ficaram restritos aos 12 estádios espalhados pelo país, onde os jogos estão sendo realizados.
Tudo o mais – das emissões de viagens aéreas à dependência de táxis abastecidos com gasolina para os traslados e a movimentação pelas cidades, na falta de um sistema de transporte público que funcione bem – vai contra até mesmo o critério mais tradicional de sustentabilidade. A ausência de investimento significativo em infraestrutura de transporte público motivou, em parte, o clamor público. 

Não se trata de dizer que a conexão entre meio ambiente e sustentabilidade social ficou de fora do radar da Fifa. Além de medidas de eficiência energética, compensações de carbono e sistemas de reciclagem de lixo, a Fifa promove a criação de programas sociais em comunidades onde os jogos estão sendo realizados.  

Mas Graeme Hayes, professor de política e sociologia na Universidade Aston, na Inglaterra, duvida que esses esforços possam resultar no tipo de benefício de longo prazo que uma definição mais inclusiva de sustentabilidade iria requerer.  

Os Jogos Olímpicos de Londres 2012 trilharam esse caminho. Os organizadores prometeram os primeiros jogos verdadeiramente sustentáveis, abrangendo não só compensações de carbono e recursos de tecnologias verdes, mas um plano para atender às necessidades habitacionais, de diversidade social e desenvolvimento comunitário do leste de Londres.

A prestação de contas sobre o carbono foi rigorosa, disse Hayes, que estudou os esforços de sustentabilidade para os Jogos de Londres 2012. Mas as Olimpíadas ficaram aquém de atingir as metas sociais mais amplas.

“Você olha para Londres dois anos depois e pergunta: o que mudou? Que efeito teve de modo geral sobre a sociedade britânica, e no que diz respeito ao que é ambientalmente e não ambientalmente sustentável?” pergunta Hayes. “Você teria de dizer que os resultados são insignificantes.”

'Choque e pavor'

A abordagem da sustentabilidade nesses megaeventos, acrescenta Hayes, tem a ver mais com os organizadores e a elite social encenando uma visão de “choque-e-pavor” que deslumbra os espectadores, mas não resolve desafios sociais de longa data.

No Brasil, os exemplos são muitos:

- A Fifa festejou a instalação de painéis solares e medidas para a redução de consumo e conservação da água no novo estádio construído em São Paulo, ao custo de 420 milhões de dólares, e na reforma do legendário Maracanã, no Rio, avaliada em 500 milhões de dólares. Mas enquanto isso moradores eram expulsos de algumas das favelas do Rio e 5 mil sem-tetos armavam acampamento perto da Arena Corinthians em São Paulo, em protesto contra a falta de habitação a preço acessível na cidade. 

- O prazo final para a conclusão da primeira linha de um monotrilho de ligação de subúrbios de São Paulo e para trasladar os visitantes rapidamente de e para o aeroporto, reduzindo a poluição e o congestionamento do tráfego, foi adiado em meio a atrasos na obra. Novas linhas estão planejadas, mas sem um claro cronograma de entrega.

- O novo estádio de Manaus, em plena Amazônia, detentor da certificação LEED, engloba o que há de mais moderno em sistemas de refrigeração e aquecimento em termos de eficiência energética. Mas os planos de prover todo o estádio com energia solar tiveram de ser abandonados por causa dos atrasos da obra. Enquanto isso, brasileiros irados questionam o custo - 300 milhões de dólares - para construir um enorme estádio em uma remota cidade que pode nunca mais sediar evento tão grande.   

- Mas o setor esportivo tem condições de mudar mercados inteiros para torná-los mais 'verdes", disse Allen Hershkowitz, cientista sênior do Conselho Nacional de Defesa dos Recursos Naturais (NRDC, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, que tem trabalhado com muitas ligas esportivas e é cofundador da Aliança dos Esportes Verdes. 
Leonardo Lourenço/ Portal da Copa

Conjuntos habitacionais próximos ao estádio Itaquera, em São Paulo, decorados para a Copa
Opinião pública
"Temos as indústrias do plástico, energia, têxtil, transportes e química envolvidas, portanto, quando o esporte profissional abraça a gestão ambiental, de fato afeta a cadeia mundial de suprimentos."
E isso é mais do que apenas reduções concretas em emissões de carbono, lixo ou uso do lixo, acrescentou Hershkowitz. O esporte pode influenciar a opinião pública - e até a ação do governo - sobre mudança climática e sustentabilidade de um modo que os debates sobre ciência e política não podem, disse ele. 

"Os cientistas não são necessariamente os melhores comentaristas. Mas as pessoas de fato prestam atenção aos esportes." Hershkowitz acredita que o movimento pelos esportes verdes tem o potencial de ser um dos mais influentes na história do ambientalismo. Mas quando o NRDC recebeu um pedido para trabalhar com o Brasil nas suas metas de sustentabilidade para a Copa do Mundo, a entidade recusou.

Totalidade dos impactos

Hershkowitz disse que não havia meios de comprovar a legitimidade das alegações sobre o meio ambiente e os preparativos para os jogos pareciam repletos de desafios em termos de justiça social. 
"É preciso olhar para a totalidade dos impactos, não só para os materiais e estruturais", disse ele. "Vimos bilhões de dólares em investimentos, um esforço muito visível. É uma área para avanços em tecnologia ecologicamente preferível, mas também (para se garantir) questões de igualdade e justiça social como parte das metas de sustentabilidade." 

No Brasil, não ficou claro que isso poderia acontecer. "A Copa do Mundo é uma oportunidade perdida", disse ele. Mas, em seu fracasso, a Copa do Mundo 2014 poderia ter, por fim, um impacto duradouro em sustentabilidade. 

Hayes acha que a imagem das pessoas indo para as ruas em um país obcecado por futebol vai persistir quando a atenção se voltar para futuros megaeventos, notavelmente a Copa do Mundo de 2022 no Catar, que já enfrenta críticas por práticas de exploração de trabalhadores e a sua pegada de carbono.
Serão os cidadãos, contudo, e não a Fifa e o Comitê Olímpico Internacional, que pressionarão para que a justiça social e a sustentabilidade se tornem parte mais significativa do planejamento de eventos futuros, segundo Hayes.
 "O Brasil é algo realmente muito grande porque tem legitimidade no mundo do futebol como lar do jogo bonito, o lar do futebol", disse ele.  "O Brasil dizendo 'nós não queremos isso’ é algo vai realmente causar grande abalo."

Tradução Maria Teresa de Souza

Texto originalmente publicado em The Daily Climate, agência de notícias independente com cobertura sobre energia, meio ambiente e mudança climática. (Com a Revista Samuel/Opera Mundi)

Comentários