ALBERTO DINES

                                                                 

ARQUIMEDES, ARISTÓTELES – TUDO IGUAL

1933 está de volta. Em novo endereço

Alberto Dines em 27/05/2014 na edição 800

      
Apenas como exercício especulativo: imagine-se que o artigo tivesse sido publicado num grande jornal da Alemanha, França, Inglaterra, Espanha ou Estados Unidos e a autora fosse senadora federal, figura de proa do maior partido do país, líder do lobby do agronegócio, riquíssima, viajadíssima, bajuladíssima pelo governo. Imagine-se que no título a autora tivesse confundido Arquimedes com Aristóteles e atribuído ao último a celebre sentença: “Deem-me uma alavanca e moverei o mundo”.

Dona Kátia Abreu cometeu o deslize no seu artigo do sábado (24/5), no caderno “Mercado” na sofisticada Folha de S.Paulo (ver aqui). Ninguém reparou, nem mesmo os atilados e aguerridos leitores do “Painel dos Leitores”. Com uma alavanca deste porte nada se moveu. Aristóteles enganou-se. Ou foi Arquimedes?

Dois dias depois (segunda-feira, 26), no pé da página 3, registrou-se o deslize. Aquele “Erramos” não é um plural majestático, é constatação: o descuido foi obra coletiva – de quem escolheu a ilustre escriba para lustrar o jornal, do guru de marketing que recomendou a contratação de famosos, da própria senadora (expert em desmatamento induzida a contragosto a lidar com metáforas da Antiguidade). Culpa também do seu assessor de imprensa (sustentado pelo contribuinte) e dos editores dos artigos de opinião, teoricamente escolhidos a dedo.

Sem comentários

Nesta tremenda hora da verdade em que desabam tantas empáfias e desmoronam tantas reputações, a troca de Arquimedes por Aristóteles é insignificante, mas simbólica – reflete o desnorteamento, o grau de transtorno, o nível de estresse e o declínio dos padrões de exigência nas portarias das redações.

O declínio não é restrito à indústria jornalística: a sociedade está engasgada, visivelmente incapaz de processar a interlocução entre as diferentes esferas do conhecimento. A classe política é uma delas. Há quanto tempo não nos é oferecido o prazer de ouvir no plenário do Senado um discurso bem pensado, bem falado e, sobretudo, emocionado? Reconheçamos: Katia Abreu é esforçada. O ex-atleta Romário também é.

A Folha não comentará a rata da ruralista preferida. Os demais jornalões não comentarão a rata do concorrente. Este é um episódio fadado e ficar debaixo do tapete.

 Voz das urnas

Na noite do domingo (2/5), os telejornais europeus e americanos destacaram assustados ou eufóricos os resultados das eleições legislativas e federativas em parte do Velho Mundo. Ficou visível o crescimento dos partidos de direita nacionalistas e xenófobos, e de agrupamentos radicais de esquerda, todos antieuropeus. Nenhum deles se importa com o fato de que a União Europeia acabou com as guerras no continente. Poucos meses antes do centenário do início do primeiro conflito mundial, esses resultados eleitorais também foram para debaixo do tapete.

Na véspera do pleito, um metralhamento dentro do Museu Judaico de Bruxelas matou três e feriu um. No dia seguinte, na França, judeus religiosos foram espancados na rua. Nada de novo no front do ressentimento. Tapete neles.

Mais trágico é o fato de que os jornais da segunda-feira (26/5) – inclusive o prestigioso Valor Econômico – não perceberam que 1933 pode estar de volta. Em novo endereço. (Com o Observatório da Imprensa)

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