MESTRES SEM MESTRADO

                                                                   
                                                                                                            Divulgação

Mestre Paizinho, da Cia. de Moçambique de São Benedito de Taubaté:  artista popular com reconhecimento



Projeto registra o trabalho de representantes da música de raiz nos rincões do Brasil
    
Se você é mestre/Agora que eu quero ver/Olha o batido da caixa/Só você vai entender”, canta um homem com voz tranquila e olhar expressivo. “Esse é o mestre sem mestrado e sem doutorado… A minha faculdade é o dia a dia.” Quem fala é Mestre Paizinho, figura conhecida na região do Vale do Paraíba, em trecho de minidocumentário que integra o projeto Mestres Navegantes. 

Ele é um dos artistas populares do país que, ao alcançarem alto grau de reconhecimento em suas regiões, passaram a ser chamados “mestres”. É também um dos tantos que participaram das gravações do projeto idealizado pelo músico e produtor Betão Aguiar.

O resultado, até agora, inclui vídeos, discos e programas de rádio focados na música de raiz, divididos em duas edições: São Luiz do Paraitinga (SP), em 2010, e Cariri (CE), em 2013. Em cada uma, estilos como jongo, coco, repente e embolada (para citar os conhecidos) são apresentados pelos músicos das regiões. 

Com patrocínio do Natura Musical – linha de apoio da empresa a projetos musicais –, o Mestres Navegantes já tem garantida a continuidade este ano, agora com artistas do Pará.

Betão – filho do ex-Novos Baianos Paulinho Boca de Cantor – sabe bem que, quando se trata de pesquisar o trabalho de artistas espalhados pelo País, o tempo pode ser inimigo. Não só pela idade avançada de alguns deles, mas porque, certas vezes, são os últimos que carregam tradições e gêneros musicais.

“Imagine como deve ter coisa que a gente nem sabe, que se perdeu”, diz. Ele cita as incelências do Sítio Cabeceiras – registradas na série do Cariri –, em que mulheres cantam quando morre uma criança ou um jovem da comunidade, em uma tradição que está desaparecendo.
Fernando Laszlo

Coisa da velharada

Betão ressalta, porém, que a ideia do projeto não é salvar estilos musicais e tradições. Isso não seria possível. “O Mestres Navegantes não tem o papel de intervir. Não temos essa ambição. É mais um registro fotográfico, assim como Mário de Andrade (1893-1945) fez no passado, como Hermano Vianna e Alfredo Bello fizeram mais recentemente.” 

Ainda assim, ele conta que o diálogo com as comunidades revelou-se um incentivo para os jovens se aproximarem das tradições. “Alguns diziam: ‘Ah, isso é coisa da velharada, do meu avô’. Aí, a gente chegava com uma parafernália louca, tecnológica, e eles iam se aproximando. Fizemos o site dos mestres, e os jovens começaram a ajudar e a se orgulhar daquilo.”

Após o lançamento das edições, Betão e sua equipe se preocuparam em retornar às comunidades, levando aos músicos e outros participantes o resultado do trabalho. “Muita gente vai lá, filma, faz foto e nunca mais volta. É legal mostrar para o mundo, mas, se você fizer algo que os ajude a dar valor para o que fazem, isso pode, talvez, estimular esses caras e os jovens. Mas eu também não quero criar tanta expectativa nesse sentido, para não me frustrar.”

Segundo o produtor, é preciso entender, de saída, que a maioria desses artistas não faz música para virar produto. Em grande parte, eles trabalham como pedreiros, professores, caminhoneiros e tantos outros ofícios para garantir o sustento. “Eles fazem música principalmente por outros instintos. E, ao mesmo tempo, influenciam muita gente. Vai ver se Gilberto Gil não bebeu nessa fonte?! Ele e toda a música brasileira”, conclui Betão.

Texto originalmente publicado em Brasileiros, revista mensal que traz reportagens e matérias sobre diferentes temas com foco no Brasil. (Com a Revista Samuel/Opera Mundi)

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