Câmeras contra a ocupação: palestinos registram agressões de colonos israelenses

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Câmeras contra a ocupação: palestinos registram agressões de colonos israelenses Vídeos feitos nos territórios ocupados revelam rotina de tensão e atrito entre colonos, palestinos e Exército
          
Guila Flint (*)

Graças a alguns registros em vídeo feitos recentemente por ativistas de direitos humanos, é possível ver o cotidiano da ocupação israelense nos territórios palestinos, com o atrito diário entre colonos israelenses e moradores palestinos na Cisjordânia e a atuação do Exército.

[Colono israelense exige em vídeo que palestino retire bandeira de sua casa]

Shadi Sider participa do projeto de vídeo da ONG Btselem, que distribuiu 150 câmeras na Cisjordânia, para que os próprios moradores possam registrar a maneira como são tratados pelos colonos e soldados israelenses.

A outra gravação mostra um incidente no vilarejo palestino de Um El Kheir, ao sul de Hebron, quando colonos do assentamento Carmel, construído em terras do vilarejo, tentaram afugentar um rebanho de cabras e ovelhas pertencente aos pastores palestinos. Os pastores, impedidos pelos colonos de levar seus animais para pastar em suas próprias terras, pediram a ajuda do grupo Rabinos pelos Direitos Humanos e um dos religiosos filmou o episódio.

De acordo com a lei internacional, o Exército ocupante tem a obrigação de proteger a população civil ocupada de atos de agressão. Em ambos os casos apresentados aqui, os soldados israelenses deixaram de cumprir a lei internacional.

Colono no telhado

Sider mora na parte de Hebron que continua sob ocupação israelense e é vizinho próximo de um dos núcleos de assentamentos instalados por 500 colonos dentro do centro histórico da cidade, que tem 150.000 habitantes palestinos.

O vídeo, filmado recentemente, mostra o momento em que Sider descobre um dos colonos tentando escalar o muro de seu terraço. O diálogo entre o palestino e o colono pode servir de alegoria à ocupação.

"Por que você está tentando entrar no meu terraço?", pergunta o palestino ao colono, que é um imigrante russo que mal fala hebraico. O colono, que em suas tentativas de invadir a casa palestina se enroscou em uma cerca de arame farpado, responde que não vai entrar, mas que lhe seja entregue a “bandeira jordaniana".

O invasor que, por razões ideológicas, nem é capaz de pronunciar a palavra “palestina”, se refere à bandeira palestina que Sider colocou em seu terraço. O símbolo desperta a fúria de seus vizinhos – os colonos –, que consideram Hebron propriedade do povo judeu, uma vez que, segundo a religião, o patriarca Abraão teria comprado o túmulo de sua esposa Sara no local milhares de anos atrás.

"Você gostaria que eu tentasse invadir a sua casa?", questiona Sider. “Esta é minha casa e aqui é a Palestina". Nesse momento o colono responde: "Você pensa que essa é sua casa, mas sua casa é minha, tudo aqui é meu [ele faz um gesto com a mão expressando a amplidão de 'suas' propriedades], pois tudo aqui está na Terra de Israel".

Nisso, chega um grupo de soldados israelenses armados – chamado pelos colonos. Um dos soldados sobe pela escada e delicadamente desenrosca o colono do arame farpado, enquanto outros quatro entram no terraço de Sider e ordenam que ele retire a bandeira palestina.

O rapaz se nega e, depois de uma discussão entre os próprios soldados na qual um deles se opõe à detenção do palestino "em frente à câmera", o grupo deixa o local.

No entanto, uma semana depois, as tropas israelenses em Hebron prenderam o filho de um dos vizinhos de Sider. Um dos oficiais ofereceu ao palestino um "acordo" – se ele retirasse a bandeira palestina, soltaria o menino. Sider aceitou tirá-la.

Ovelhas confusas                                 

No assentamento de Carmel, no sul da Cisjordânia, colonos, com berros e empurrões, tentam afugentar um rebanho de ovelhas e cabras de pastores palestinos do vilarejo de Um El Kheir. Eles tentam impedir que os animais pastem nas terras adjacentes ao assentamento pois têm planos de anexá-las.

Do outro lado do terreno, se vê pastores palestinos e ativistas do grupo Rabinos pelos Direitos Humanos tentando acalmar os animais, que ficam visivelmente confusos com o barulho ao redor. No local, soldados não fazem nada para impedir a ação dos colonos.
                                                              
"Observamos esses absurdos do cotidiano diariamente", disse a Opera Mundi o rabino Yehiel Grenimann, responsável pelo setor dos territórios ocupados da ONG. "Não só os animais ficam confusos, mas as pessoas também, pois não existe uma lei clara nos territórios ocupados. Em relação aos colonos o que vale é a lei civil israelense, já que são cidadãos israelenses. Para os palestinos o que vale é a lei militar", continuou.

Caso cometam uma infração, os colonos devem responder à polícia de Israel e não ao Exército. Para os palestinos, as forças militares israelenses são a autoridade relevante.

Tanto os Rabinos pelos Direitos Humanos como a ONG Btselem denunciaram a impunidade. "Se a situação em Hebron fosse inversa, e se tratasse de um invasor palestino à casa de um israelense, ele poderia ser morto a tiros imediatamente", afirmou a porta voz do Btselem, Sarit Michaeli.

"No caso do colono no telhado de Hebron, um dos principais absurdos é que nem passou pela cabeça dos soldados a ideia de prender o colono que estava tentando invadir a propriedade do palestino", acrescentou.

(*) Guila Flint cobre o Oriente Médio para a imprensa brasileira há 20 anos e é autora do livro 'Miragem de Paz', da editora Civilização Brasileira. (Com Opera Mundi)

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