JORNALISTAS: UM DOS PRINCIPAIS ALVOS DE PERSEGUIÇÃO DA DITADURA

                                                                     
Continentino Porto, Presidente do SJPERJ e Conselheiro da ABI, lidera os trabalhos da Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Rio. (Crédito: Igor Waltz)



Cláudia Souza

02/01/2014


O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro (SJPERJ) foi o primeiro da categoria a criar uma Comissão da Verdade com o objetivo de construir um amplo levantamento documental e iconográfico sobre os profissionais de imprensa perseguidos pelo regime militar. Desde agosto de 2012, a entidade está apurando dezenas de casos e colhendo depoimentos de jornalistas e de parentes das vítimas do martírio e do flagelo impostos nos porões da ditadura. O trabalho está sendo conduzido por Continentino Porto, Presidente do SJPERJ, e Conselheiro da ABI. Na entrevista a seguir, o jornalista detalha os avanços das investigações, cujo documento final contribuirá para o resultado da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

ABI Online ­- Qual o objetivo da Comissão do SJPERJ?

Continentino Porto — A Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas pretende revelar vários abusos de poder dos agentes que representavam o governo ditatorial e promoveram prisões, torturas e assassinatos, contrariando os direitos humanos e a Constituição do Brasil. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro foi a primeira entidade sindical do país a criar a sua Comissão da Verdade. Ela está priorizando depoimentos públicos de jornalistas e familiares das vítimas do regime militar instalado em 1964.

ABI Online ­- Qual a importância histórica da Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas?

Continentino Porto — A Comissão Nacional da Verdade (CNV) tem o objetivo de investigar e esclarecer casos de torturas e desaparecimentos ocorridos no regime militar entre 1964 e 1988. Portanto, cabe a Comissão da Verdade do nosso Sindicato apurar e esclarecer tudo o que aconteceu com os jornalistas fluminenses nos porões da ditadura. Desta forma estaremos colaborando com os parentes das vítimas que foram presas e torturadas. Precisamos, de fato, preservar os verdadeiros episódios ocorridos no período da ditadura militar para que constem nos anais da História e sirvam de exemplo às próximas gerações. A iniciativa se insere no contexto da Memória, Verdade e Justiça tão almejada por amplos segmentos da sociedade brasileira. 

ABI Online – Quantos depoimentos já foram ouvidos?

Continentino Porto — Dentre as dezenas de depoimentos, podemos citar o da jornalista Fátima Lacerda, que acusa um ex-presidente do Sindicato de ter ameaçado sua família. Ouvimos também o irmão e a filha do jornalista Jairo Mendes, que presidiu o Sindicato do antigo Estado do Rio. Jairo esteve preso no Ginásio Caio Martins – que serviu de presídio para cerca de 300 pessoas – e, em seguida, foi transferido para o DOPS de Niterói. O modelo de repressão em estádios de futebol foi replicado em outros pontos do Brasil e em diversos países, como no Estádio Nacional do Chile.

ABI Online ­- O que aconteceu com Jairo Mendes?

Continentino Porto — Jairo morreu tuberculoso, na miséria. Ele recebia ajuda dos amigos para sustentar sua família. No dia 1º de abril, quando foi preso, Jairo trabalhava na Última Hora fluminense, dirigida pelo jornalista Theodoro de Barros, na qual assinava a coluna sindical.

ABI Online ­– Além do drama de Jairo Mendes, que outros relatos o senhor poderia citar?

Continentino Porto — A Comissão da Verdade ouviu também o jornalista Élcio Estrela, que trabalhava na sucursal do Jornal do Brasil, em Niterói. Élcio foi preso em São João da Barra, norte do Estado, permanecendo no presídio de Campos. Foi transferido para a DOPS de Niterói, onde ficou numa sela ao lado do deputado Afonso Celso Nogueira Monteiro e do jornalista Jairo Mendes. Quem foi buscar Élcio Estrela na prisão foi o comissário Wilson Madeira, que era sócio do nosso Sindicato e registrado como jornalista. Wilson era colunista social de um jornal de Petrópolis.

ABI Online ­- O que aconteceu com Elcio Estrela após a soltura?

Continentino Porto — Depois de ser libertado, Elcio foi trabalhar no Jornal do Brasil, mas como era convocado constantemente para depor na DOPS do Rio e da Guanabara, o jornalista Alberto Dines, que era o Diretor de Redação, achou melhor transferi-lo para a sucursal paulista do JB. A nossa Comissão da Verdade gravou também depoimentos dos jornalistas Inaldo Batista, Jourdan Amora, Fernando Paulino, Dona Geralda, irmã de Jairo Mendes, das professoras Maria Felisberta e Aidyl de Carvalho (parceira de Jairo Mendes), de Egberto Mendes, filho de Jairo Mendes, Beatriz Chargel, Fábio de Barros, filho do jornalista Affonso Henrique de Barros, Dulce Tupy, Mario Augusto Jakobskind, Luiz Antonio Pimentel e Pinheiro Júnior, que foi preso em 1964, no Rio, e em 1969, no DOPS de Niterói. Em seu depoimento, Pinheiro Júnior falou sobre os dias que sucederam a edição do AI-5 no jornal Última Hora, cuja redação foi ocupada por dois coronéis que constrangiam os repórteres portando pistolas 45. Pretendemos ouvir, entre outros, o jornalista João Luiz Faria Neto, que na época era subsecretário da Casa Civil do governador Geremias de Matos Fontes. João foi preso no Palácio do Ingá, em Niterói. Ouviremos também a Sra. Nely, mulher do jornalista Maurício Hill, preso e perseguido pela ditadura, Eraldo Quintanilha e Evaldo Nascimento.

ABI Online ­- Que outras atividades a Comissão vem promovendo, além dos depoimentos?

Continentino Porto — Uma das etapas mais importantes da nossa Comissão da Verdade foi o encaminhamento de um ofício ao Arquivo Público do Estado solicitando acesso aos documentos e informes elaborados pelos “arapongas” do antigo DOPS fluminense. O Arquivo Público está pesquisando milhares de documentos que serão transformados em relatórios e repassados à nossa Comissão. De posse destas informações, descobriremos a identidade dos presos encaminhados ao Ginásio Caio Martins. Também solicitamos ao governador Sérgio Cabral o tombamento das instalações do antigo DOPS de Niterói, onde vamos fazer imagens, assim como as da antiga sede do Comando da Polícia Militar, onde estiveram presas quatro mulheres, entre elas, a jornalista Lourdes Pacheco, a Lou.

ABI Online ­- Qual foi o planejamento instituído pela Comissão da Verdade para investigar os casos de perseguição e morte e para localizar as vítimas e seus familiares?

Continentino Porto — Estamos trabalhando em parceria com a Comissão Nacional da Verdade, a Comissão da Verdade do Estado do Rio de Janeiro, do Município de Niterói, e com a Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República. Além de mim, integram a Comissão do SJPERJ os jornalistas José Marques, Maurício Guimarães, Sílvia Regina Ferreira (Silvinha), Rafael Duarte D’Oliveira, José Alves Pinheiro Júnior, Mário de Souza e Mario Augusto Jacobskind, diretor da ABI. Em relação a esta entidade, o caso do ex-presidente Maurício Azêdo também vem sendo apurado. Os arapongas do DOI-Codi escreveram muitas inverdades em seus arquivos secretos. Tive acesso a alguns desses documentos inverídicos que relatam que Maurício teria começado “atuando dentro da ABI em 1974, onde colocara mais de 150 subversivos como se fossem jornalistas, e que, para facilitar o ingresso deles, contara com o apoio da Comissão de Sindicância, toda formada por comunistas notórios, entre os quais, Gumercindo Cabral”. Oscar Maurício Azêdo foi um dos jornalistas que mais sofreu injustiças, calúnias, torturas e humilhações. E não foram poucas. A linha dura dos militares implantaria um esquema de endurecimento violento, editando várias leis de Segurança Nacional e de Imprensa, culminando, a partir de dezembro de 1968, com a decretação do Ato Institucional nº5- AI-5. Azêdo suportou os interrogatórios com dignidade, como no DOPS-GB. Na CGI, os militares aplicaram o Manual de Técnicas de Interrogatórios, editado pelo famigerado SNI, o mesmo utilizado nos depoimentos do presidente Juscelino Kubitscheck, no Quartel da Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, onde estava instalado o centro de torturas e mortes. Mas nada disso foi suficiente, pois eles não conseguiram humilhar Maurício Azêdo, que apesar do sofrimento atroz permanecia em silêncio, o que irritava seus inquisidores.

ABI Online ­– Em sua opinião, qual será o legado deste trabalho de investigação?

Continentino Porto — A área jornalística do Estado do Rio de Janeiro foi duramente atingida durante a ditadura militar. Há muitas testemunhas dispostas a contar as suas histórias e tudo o que se passou ao longo de mais de duas décadas de autoritarismo. Mesmo não tendo função punitiva, a Comissão da Verdade será fundamental para revelar uma série de atos que marcaram esse momento histórico. A partir de nosso trabalho, entregaremos para a sociedade documentos e gravações que reforçarão o nosso objetivo de mostrar a verdade sobre o período em que os direitos individuais e a democracia foram seriamente violados. Temos o dever de mostrar sobretudo às novas gerações o que foram os anos de arbítrio aqui no Estado do Rio de Janeiro. No município de Campos dos Goytacazes, por exemplo, um setor da Usina de Açúcar Cambaíba foi transformado em forno crematório, conforme denúncia do delegado de polícia Cláudio Guerra.

ABI Online ­– Há casos muito graves de perseguição em outros municípios do Rio de Janeiro?

Continentino Porto — Há inúmeros fatos ainda não revelados sobretudo no interior do Estado do Rio, onde o autoritarismo imperou e os responsáveis sequer foram apontados.

ABI Online ­– Quais serão as próximas ações da Comissão do SJPERJ?

Continentino Porto — Estou pesquisando muito no Arquivo Público, onde tive acesso aos documentos do DOPS de Niterói. Nos primeiros relatórios que li fiquei horrorizado com os erros gravíssimos de português dos textos dos informantes, sendo que a separação do sujeito do verbo é o mais comum. No informe sobre o jornalista Theodoro de Barros, além de taxá-lo como comunista e organizador da lista de jornalistas que visitavam Cuba, um dos informantes escreveu uma pérola referindo-se à esposa de Theodoro: “A beleza da mulher dele facilita muito seu depoimento.” Já solicitei os informes sobre os jornalistas Anderson Viana, Maurício Hill, Inaldo Batista, Germano Rodrigues.

ABI Online ­– Que mensagem o senhor deixaria para os jornalistas neste período de resgate histórico da imprensa brasileira?

Continentino Porto — A diretoria do SJPERJ apela aos associados e cidadãos deste Estado que tenham informações a prestar e que queiram ajudar a contar a nossa história, que entrem em contato com o sindicato, localizado na Rua Saldanha Marinho, 219.  Vale sempre observar que o conhecimento do nosso passado ajuda-nos a entender melhor o presente e evita que se repitam violações aos direitos humanos. Por isso,  é dever cívico de todos que puderem colaborar com esta iniciativa. (Com a Associação Brasileira de Imprensa)

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