Brasil assina com Argentina e Uruguai acordos para troca de documentos sobre graves violações de direitos humanos

                                                                  


               Informações auxiliarão atividades da Comissão Nacional da Verdade

O ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo Machado, assinou ,ontem em Havana, Memorandos de Entendimento bilaterais para o Intercâmbio de Documentação para o Esclarecimento de Graves Violações aos Direitos Humanos, com o chanceler Héctor Timerman, da Argentina, e com o chanceler Luis Almagro, do Uruguai.

Os memorandos estabelecem marco jurídico e institucional para a cooperação do Brasil com Argentina e Uruguai, com a finalidade de esclarecer graves violações aos direitos humanos e efetivar o direito à memória e à verdade. No Brasil, os memorandos deverão auxiliar as atividades da Comissão Nacional da Verdade.

Os acordos definem procedimentos para o intercâmbio de informações que possibilitem o esclarecimento de casos de torturas, desaparecimentos forçados e outras graves violações de direitos humanos ocorridas durante as ditaduras que os três países padeceram no passado recente.

A proposta de acordo de cooperação foi apresentada pela Argentina ao Brasil em abril de 2013, quando uma missão da CNV liderada por Paulo Sérgio Pinheiro visitou Buenos Aires. Na oportunidade, o chanceler argentino Hector Timerman e o Secretário de Direitos Humanos Martín Fresneda manifestaram grande interesse na assinatura, com o Brasil, de acordo nos moldes do que já fora firmado entre a Argentina e o Uruguai.

Os acordos assinados representam o aprofundamento da cooperação já existente entre as instituições de Direitos Humanos dos três países, assim como no âmbito do Mercosul. A CNV está em contato constante com as autoridades de direitos humanos de ambos países visando o desenvolvimento de suas pesquisas, especialmente no que diz respeito à investigação da coordenação repressiva ilegal entre os países do Cone Sul na perseguição e eliminação de opositores, a famigerada Operação Condor e suas antecessoras.

Pesquisadores e técnicos de Brasil, Argentina e Uruguai já integram, por exemplo, grupo de trabalho que atuou na exumação e que realiza os exames e atividades periciais relativas à morte de João Goulart. Além disso, na Argentina, a equipe da Comissão Nacional da Verdade identificou, em abril de 2013, somente no arquivo central do Ministério das Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto, 66 caixas com documentos que podem ajudar a esclarecer violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar brasileira.

Em maio de 2013, a Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Direitos Humanos da Argentina emitiu Resolução que abriu à Comissão da Verdade do Brasil toda a documentação existente na SDH e no Arquivo Nacional da Memória argentinos relativa a violações de Direitos Humanos sofridas por cidadãos brasileiros durante a ditadura naquele país.

Com o Uruguai, a CNV também desenvolve uma fluente parceria. Em agosto de 2013, a CNV aprofundou entendimentos com a Secretaria de Direitos Humanos para o Passado Recente da Presidência da República do Uruguai para o intercâmbio de documentos dos arquivos brasileiros e uruguaios que possam ajudar a esclarecer casos de desaparecimentos forçados e outras graves violações de direitos humanos afetando cidadãos de ambas nacionalidades durante as ditaduras nos dois países. Naquela oportunidade, foram iniciadas as negociações que resultaram no Memorando de Entendimento que foi firmado hoje.

Em janeiro deste ano, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência do Uruguai entregou à CNV documentos sobre o exílio do ex-presidente Joao Goulart naquele país. Naquela oportunidade, o historiador uruguaio Alvaro Rico manteve reuniões de trabalho com a Comissão Nacional da Verdade e a Coordenação Regional do Arquivo Nacional em Brasília. Os acordos assinados hoje em Havana são permanentes e permitirão a colaboração entre os três países mesmo após o fim dos trabalhos da CNV.

ÍNTEGRA DO MEMORANDO

"1) Memorando de Entendimento entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina para o Intercâmbio de Documentação para o Esclarecimento de Graves Violações aos Direitos Humanos
2) Memorando de Entendimento entre a República Federativa do Brasil e a República Oriental do Uruguai para o Intercâmbio de Documentação para o Esclarecimento de Graves Violações aos Direitos Humanos


Memorando de Entendimento entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina para o Intercâmbio de Documentação para o Esclarecimento de Graves Violações aos Direitos Humanos


A República Federativa do Brasil e a República Argentina (doravante denominadas "as Partes"),

Com o desejo de criar um marco para a cooperação e o intercâmbio de documentação para pesquisas que permitam o esclarecimento de graves violações aos direitos humanos, ocorridas durante as ditaduras que assolaram ambos os países no passado recente.

Considerando:

A importância que ambas as Partes atribuem à obtenção de documentos que permitam o esclarecimento de atos de violação de direitos humanos no passado recente, bem como a cooperação histórica em matéria de esclarecimento de casos de desaparecimento forçado de pessoas e outras violações graves dos direitos humanos;

Que o presente Memorando de Entendimento se articula com os trabalhos que ambos os países desenvolvem no âmbito da Reunião de Altas Autoridades de Direitos Humanos e Chancelarias do MERCOSUL, especificamente nos trabalhos que já estão sendo realizados no marco do Grupo Técnico para a obtenção de dados e pesquisa de arquivos das coordenações repressivas do Cone Sul;

Chegaram ao seguinte entendimento:

Artigo 1
Definições gerais

1. No marco do presente Memorando de Entendimento:

a) Por "Autoridade Competente" entende-se: 
- No caso da República Federativa do Brasil, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em coordenação com o Ministério da Justiça e com o Ministério das Relações Exteriores;

- No caso da República Argentina, o Ministério das Relações Exteriores e Culto da Nação, em coordenação com a Secretaria de Direitos Humanos da Nação.

b) Por "documentação" entende-se toda informação contida em qualquer meio ou tipo documental, produzida, recebida e conservada por qualquer organização ou pessoa no exercício de suas competências ou no desempenho de sua atividade;

c) Por "Parte Requerida" entende-se a Parte do presente Memorando de Entendimento à qual se solicitará a documentação;

d) Por "Parte Requerente" entende-se a Parte do presente Memorando de Entendimento que enviará um pedido de informação.

2. No que se refere à aplicação do presente Memorando de Entendimento, qualquer termo não definido no mesmo terá, a menos que o contexto exija interpretação diferente, o significado que lhe atribuir a legislação vigente do Estado Parte.

3. As Autoridades Competentes poderão delegar a outros organismos do Estado a gestão de ações vinculadas à implementação do presente Memorando de Entendimento.

Artigo 2
Objeto

1. As Partes, por intermédio das Autoridades Competentes, prestarão assistência e cooperação mútua mediante o intercâmbio de documentação relevante para a investigação e esclarecimento das graves violações às quais se refere o presente Memorando de Entendimento, promovendo e fomentando a cooperação entre as instituições de ambos os países que conservem arquivos relativos ao objeto do presente Memorando de Entendimento, com o propósito de contribuir para o processo de reconstrução histórica da memória, verdade e justiça.

2. Exclui-se do presente Memorando de Entendimento toda informação que as Partes puderem solicitar dentro dos parâmetros estabelecidos pelos Convênios entre a República Argentina e a República Federativa do Brasil sobre assistência penal.

Artigo 3
Formalização dos pedidos

1. A formulação dos pedidos deve obedecer aos requisitos estabelecidos de comum acordo pela Comissão Técnica Mista a que se refere o artigo 6 do presente Memorando de Entendimento.

2. A Autoridade Competente da Parte Requerida será a única responsável em determinar os meios para reunir a informação e coordenar a atividade administrativa necessária a esse fim, sendo necessário pedido prévio, por escrito, da Autoridade Competente da Parte Requerente.

3. O pedido transmitido por fax, correio eletrônico ou similar deverá ser confirmado por documento original assinado pela Autoridade Competente da Parte Requerente no decorrer dos quinze dias seguintes a sua formulação, de acordo com o estabelecido por este Memorando de Entendimento.

4 Se a Autoridade Competente da Parte Requerida não puder obter ou tiver impedimento formal para fornecer a documentação solicitada, informará imediatamente à Parte Requerente, explicitando as razões dessa impossibilidade.

Artigo 4
Exceção para a tramitação de pedidos

1. A Parte Requerida estará isenta de sua obrigação de fornecer documentação quando:

a) A documentação não estiver em poder de suas autoridades;

b) O pedido não se realizar conforme o estipulado no Artigo 3 do presente Memorando de Entendimento;

c) A entrega da documentação for contrária à legislação interna da Parte Requerida, em particular por razões de segurança, ordem pública ou interesse nacional, conforme determine o Estado requerido.

2. Sem prejuízo do estipulado no inciso anterior, as autoridades competentes comprometem-se pelo presente Memorando de Entendimento a realizar todas as ações possíveis com vistas a prover informação útil para o esclarecimento de graves violações aos direitos humanos, por intermédio das vias administrativas, judiciais e/ou legislativas disponíveis.

Artigo 5
Sigilo

A Autoridade Competente da Parte Requerida poderá solicitar que a documentação que se produza e/ou se troque em virtude do cumprimento do presente Memorando de Entendimento tenha caráter sigiloso, pelo prazo determinado de comum acordo entre as Partes para cada caso, observada a legislação de cada uma das Partes.

Artigo 6
Comissão Técnica Mista

1. Com o objetivo de estabelecer um canal permanente e fluido de comunicação que facilite o intercâmbio da documentação objeto do presente Memorando de Entendimento, será formada uma Comissão Técnica Mista, que ficará encarregada da interpretação, do acompanhamento, da avaliação e da administração de todas as gestões efetuadas entre as Partes.

2. A referida Comissão Técnica Mista será integrada por representantes designados pelas Autoridades Competentes e seu funcionamento será regulado de comum acordo pelos procedimentos definidos pelas autoridades competentes para tal fim.

Artigo 7
Custos administrativos

1. A Parte requerida assumirá os gastos de execução do pedido. A Parte requerente pagará os gastos extraordinários que venham a decorrer da assistência prestada. Este Memorando de Entendimento não ocasionará qualquer transferência de fundos de uma das Partes à outra nem qualquer atividade que possa representar encargo para além das atividades regularmente desenvolvidas pelas autoridades competentes.

2. As Partes deverão estabelecer um procedimento prévio de consulta referente aos custos operacionais para o cumprimento de cada pedido, com o objetivo de acordar antecipadamente a forma de cobertura dos gastos demandados.

Artigo 8
Memorandos complementares

Quando for necessário, as Partes poderão aprofundar e ampliar os compromissos assumidos no presente Memorando de Entendimento por meio de memorandos complementares.

Artigo 9
Solução de controvérsias

As controvérsias que surgirem entre as Partes em razão da aplicação ou interpretação das disposições contidas no presente Memorando de Entendimento serão resolvidas mediante negociações diplomáticas diretas, podendo requerer-se, para tanto, a colaboração da Comissão Técnica Mista estabelecida no marco do presente Memorando de Entendimento.

Artigo 10
Entrada em Vigor

O presente Memorando de Entendimento entrará em vigor na data de sua assinatura.

Este Memorando de Entendimento poderá ser denunciado por qualquer das Partes por meio de uma notificação escrita dirigida à outra Parte por via diplomática em que se manifeste a intenção de denunciá-lo. A denúncia terá efeito 90 dias após o recebimento da referida notificação.

Não obstante, a denúncia do presente Memorando de Entendimento não implicará na interrupção das atividades que se encontram em andamento em virtude do mesmo, salvo se as Partes assim decidirem expressamente por escrito de comum acordo."



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