Plano Condor: o que ainda resta a ser investigado

                                                                 

O melhor resumo do que ainda resta a ser feito foi feito pelo promotor argentino Miguel Ángel Osório. Tudo sempre gira em torno da verdade enterrada



Eduardo Febbro


Paris - O Coletivo Argentino pela Memoria com o apoio ativo da embaixada argentina na França e do senador ecologista Jean Desessard organizaram em Paris um esplêndido colóquio internacional sobre o Plano Condor. Três décadas depois da recuperação da democracia na Argentina e ao se completarem 21 anos da descoberta dos chamados “Arquivos do Terror” por parte do ativista e defensor dos Direitos Humanos paraguaio Martín Almada, o colóquio realizado no Senado francês abordou a cadeia polifônica deste “eixo do mal” composto pelas ditaduras da América do Sul.

Os principais atores judiciais e os ativistas de Direitos Humanos que tentaram e tentam destravar os meandros ainda ocultos do Plano Condor estiveram presentes na capital francesa: desde o juiz espanhol Baltazar Garzón, Alicia Bonet-Krueger e Estela Belloni, respectivamente presidente e co-fundadora do Coletivo Argentino pela Memória, o próprio Martin Almada, o jornalista norte-americano John Dinges, a Promotora da Audiência Nacional da Espanha, Dolores Delgado García, até a advogada francesa Sophie Thonon, o promotor argentino Miguel Ángel Osório e o advogado chileno Eduardo Conteras. 

Todos destacaram a transcendência que teve o Plano Condor, seu caráter multinacional e criminal, as vítimas que deixou e, de uma maneira paradoxal, o papel que desempenhou na reativação do conceito de justiça universal que desembocou na prisão do ditador Augusto Pinochet em Londres.

“O Plano Condor é parte de algo muito mais complexo”, disse o promotor Miguel Ángel Osorio, enquanto Eduardo Contreras, defensor das famílias das vítimas chilenas, destacou que “devemos ao Plano Condor a morte de muitas pessoas na América Latina”. Para Contreras, “este acordo sinistro urdido nos Estados Unidos e assumido pelos generais ditadores da época provocou muita dor, mas também nos uniu a todos na busca comum da recuperação da memória, da verdade, da justiça e da reparação”. Neste contexto preciso, o juiz espanhol Baltazar Garzón elogiou os avanços realizados na Argentina em matéria judicial: “A Argentina pode ter orgulho de ser um exemplo mundial”, disse.

Longe de ter terminado, o ciclo das investigações continua ao ritmo das novas descobertas. A este respeito, Martín Almada recordou que “inicialmente os arquivos do terror pesavam três toneladas. Hoje eles já são cinco toneladas”. Apesar das evidências, as justiças nem sempre estão dispostas a responsabilizar os culpados.

Almada disse à Carta Maior que “devido à impunidade que impera no Paraguai foi preciso recorrer à justiça argentina”. Almada também evocou o caso brasileiro e o atraso com que a justiça decidiu impulsionar uma comissão da verdade: “É lamentável que 50 anos depois o Brasil só agora tome uma decisão, e isso graças à intervenção de uma mulher muito valente como Dilma Rousseff. Ela assumiu a responsabilidade de conhecer a verdade”.

O jornalista norte-americano John Dinges, autor do livro “Os anos Condor, como Pinochet e seus aliados levaram o terrorismo a três continentes”, considerou que o “Brasil teve muito a ver com a metodologia e a estrutura do Plano Condor. O Brasil participou, junto com a Argentina e os outros países da região, de torturas e assassinatos”. Dinges ressaltou o caráter internacional do dispositivo repressor e as evidências que essa internacionalização permitiu resgatar. “O fato de o Plano Condor ter sido internacional fez com que ele escapasse do controle dos governos nacionais e isso propiciou os julgamentos internacionais”.

Esses julgamentos têm um ponto central de origem: o caso do ditador Augusto Pinochet assumido pelo juiz Baltazar Garzón. A promotora da Audiência Nacional da Espanha, Dolores Delgado García, lembrou com orgulho e nostalgia que essa intervenção de uma justiça exterior foi “um parêntesis que logo se fechou mas que marcou um antes e um depois”. Mas antes que esse parêntesis desaparecesse interveio um fato maior que o advogado Eduardo Contreras qualificou como transcendente: “a detenção de Pinochet em um país distinto consagrou o princípio da justiça universal”.

Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai, Brasil e Uruguai, as ditaduras daquela época se articularam para obter informação e deter adversários políticos, recordou Dolores Delgado García. “Essa coordenação os levou a atuar inclusive nos Estados Unidos”, assinalou Miguel Ángel Osorio se referindo ao assassinato do diplomata chileno Marcos Orlando Letelier, morto em Washington por agentes do regime militar de Pinochet em 1976. A promotora espanhola também lembrou o fato de que a detenção de Pinochet em Londres revelou em toda sua profundidade os aspectos mais escondidos da repressão ao mesmo tempo em que desferiu um golpe severo na imagem de Pinochet.

John Dinges observou, a esse propósito, que “o Plano Condor foi o argumento jurídico mais forte que se podia desenvolver para que o caso tivesse validade internacional. E assim ocorreu com um caso específico chileno”. Outra justiça que também promoveu julgamentos e investigações foi a francesa. A advogada Sophie Thonon disse à Carta Maior que a “justiça francesa foi muito valiosa e tinha limitações de base jurídica. Não se atuava a partir do princípio de uma justiça universal, mas sim sobre categorias individuais do direito penal. Apesar disso, ela se mostrou muito ativa”.

O melhor resumo do que ainda resta a ser feito foi feito pelo argentino Miguel Ángel Osório. Tudo sempre gira em torno da verdade enterrada: “É o próprio Estado que segue pagando aposentadorias que tem que encontrar os meios para que seus agentes, militares e policiais entreguem a informação que tem e que não querem entregar. Isso aportaria um ponto de inflexão que é romper o pacto de impunidade, com o qual se produziria um ato pedagógico para as futuras promoções de policiais e militares. Se eles não reconhecem os atos criminosos que ocorreram, é difícil entregar-lhes armas e pagar salários para que, teoricamente, nos protejam”.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer (Com Carta Maior)

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