Hipocrisia pode levar fogos à clandestinidade

                                                   
 
   Carlos Lúcio Gontijo


       A ideia que se propagou no Brasil em relação à democracia alicerça o regime democrático na areia movediça da garantia de que tudo vale e nada pode ser proibido. A partir dessa premissa errônea passamos a ter um Estado que ora superprotege o cidadão ora o deixa no abandono, sob a alegação de que todos sabem o que fazer e como agir.

     A partir daí, semeamos a erva daninha da impunidade e, ao mesmo tempo, exageros legais que beiram ao inexplicável e à loucura. Se não conseguimos, por exemplo, educar o cidadão, tiramos o álcool líquido do mercado e, em breve, sob o mesmo argumento, teremos que tirar os remédios tarja preta e até os automóveis que, pelo mau uso, provocam tantos acidentes e mortes.

      Abrimos assim o nosso artigo para chegarmos aos fogos de artifício, uma criação e, mais que isso, atividade fabril milenar, que na cidade de Santo Antônio do Monte é tradicional fonte de trabalho e renda, garantindo ao município estabilidade na área social. É inconcebível e completamente inadmissível que, numa democracia verdadeira, seja projetada a proibição de venda de fogos de artifício em alguns estados e municípios brasileiros, como se o produto não tivesse origem legal e estivesse à margem dos preceitos industriais do país.

      Autoridade constituída e responsável jamais deve contribuir para lançar produto legal na clandestinidade como vem acontecendo com a venda e distribuição de fogos, num contrassenso sem tamanho, uma vez que a produção permanece e, na busca de comercializar seus estoques, o empresário terminará por recorrer aos subterfúgios da ilegalidade, atuando da mesma forma que o tráfico de drogas, ao qual o Estado não consegue conter.

       O problema enfrentado pela indústria de fogos não pode ser tratado como uma questão exclusiva de Santo Antônio do Monte, pois se ergue à condição de assunto de amplitude federativa, onde parte alguma pode ser maior que o todo: como pode Estado ou município, por decisão própria, estabelecer proibição de produto legalmente produzido e com tão elevada carga tributária, envolvendo até fiscalização do Exército como é o caso da indústria de fogos?

       Indubitável e concretamente, as ameaças e os casos de proibição da venda de fogos de artifício em determinadas unidades da federação e em algumas cidades é situação merecedora da intervenção do Congresso e até do próprio governo federal como um todo, para que tal desatino não se alastre, com a hipocrisia ganhando cores de realidade, ainda que assentada tanto sobre a ruína da comunidade santo-antoniense quanto sobre a ausência de benefício para os demais cidadãos brasileiros, que terão dificultado o seu acesso aos fogos e se verão sob o risco, aí sim, de adquirir produtos desprovidos de qualidade e fabricados na clandestinidade.     

       Carlos Lúcio Gontijo

       Poeta, escritor e jornalista

      www.carlosluciogontijo.jor.br


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