Esta é a história de um comunista que militou no Paraná. Mas bem que poderia ser a história de todos os comunistas do PCB. De todos os tempos. Até mesmo os do Bloco Operário Camponês, os da campanha do petróleo é nosso ou os da luta por direitos dos trabalhadores do subsolo. De artistas e intelectuais, mineiros e motoristas, escultores, jornalistas ou tecelões. Vidas que se confundem com a história de 91 anos do Partido

                                                                       


José Carlos Alexandre


Quando do XIV Congresso Nacional do Partido Comunista Brasileiro realizado no Rio de Janeiro, cheguei uns dois antes para tomar parte num Seminário Internacional de Representantes de Partidos Comunistas, realizado na Associação Brasileira de Imprensa, na Cinelândia.

No primeiro dia dormi num apartamento do Sindicato dos Professores, mais ou menos nas imediações. No dia seguinte mudei-me para um quarto no Hotel Presidente, sede do XIV Congresso, próximo à Praça Tiradentes. E tive um colega de quarto.

Um colega muito sorridente, muito bem vestido, mesmo antes de envergar uma camiseta do PCB para participar das reuniões, como de resto, todos nós.

Só fiquei sabendo seu nome e sua história quando ele recebeu a mais alta homenagem dispensada pelo partido a um militante: a Medalha Dinarco Reis, um dos militantes históricos do Partido, herói de guerra, o lendário Dinarco Reis. 

Meu colega de quarto era o velho militante comunista Espedito Rocha, ex-sindicalista, depois artista plástico muito conhecido no circulo Rio-São Paulo-Paraná e que já havia exposto em Belo Horizonte, agora encabulado diante dos aplausos recebidos pelo plenário do Congresso de seu partido.

Ele teve que viajar antes do final do Congresso, de modo que acabei ficando sozinho no quarto do Hotel, dependência imensa, pois foi construído visando a Copa do Mundo de 1950 e de vez em quando é utilizado pela Rede Globo para filmar novelas e minisséries.

A história de Espedito está aqui num texto publicado pela Fundação Dinarco Reis e pela Folha de São Paulo, esta última enfocando sua vida quando de sua morte, em 2010.

       O texto da FDR

"Sob a supervisão de Maria Eunice Rodrigues da Silva, o militante do PCB Dyener Fracaro escreveu esse artigo originalmente para o boletim “Memória Viva”, do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, edição 1º, primeiro semestre de 2013. Nele, homenageia o recentemente falecido camarada Espedito.

Em nossos dias, os representantes sindicais, eleitos pelos seus iguais em associações de classe, organizados em sindicatos reconhecidos tanto pelos trabalhadores quanto pelos empregadores e pelas instituições públicas responsáveis, têm prestígio no meio que atuam, gozando de relativa liberdade para a concretude de suas funções. 

Exercem seu papel de representante dos trabalhadores, convivendo com associações patronais e autoridades do poder público, em defesa e benefício de seus pares, dentro das normas e leis que regem a prática do dirigente sindical. 

Também desempenham atividade de suma importância para o relacionamento entre trabalhadores e empregadores, em meio a uma complexa gama de inter-relações e convívio no mundo do trabalho, com as contradições inerentes à relação entre capital e trabalho que observamos em nossa forma de organização social.

Não obstante as atuais condições em que a representação sindical encontra-se, a organização dos trabalhadores nem sempre foi livre e independente no desempenho de suas atividades, sofrendo diversas formas de assédio e repressão ao longo do tempo. 

A conquista desses direitos foi resultado da luta e da organização dos próprios trabalhadores, que, mesmo com o respaldo da lei, lutaram na justiça para o cumprimento às determinações da CLT e de outras normas que regulavam a relação entre capital e trabalho no Brasil.

Caso emblemático encontra-se nos autos da reclamação trabalhista nº 1.080/1960, da 1ª JCJ de Curitiba (RO 1.519/61-B no TRT-SP e RR 3.273/63 no TST), em que o operário Espedito Oliveira da Rocha, funcionário da Cia. Estearina Paranaense S/A, no exercício de suas atividades como dirigente sindical, foi sumariamente demitido, tendo desrespeitadas as condições que lhe permitiam exercer suas atividades como representante sindical classista, legalmente eleito.

Admitido na empregadora como operário em 01/07/1957, foi eleito diretor tesoureiro do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Produtos Químicos para fins Industriais, de Produtos Farmacêuticos, Sabão e Velas, de Explosivos, Tintas e Vernizes, Adubos e Colas, Lavanderias e Tinturarias do Vestuário de Curitiba, no pleito de 07/11/1958. 

Empossado no respectivo cargo em 09/11/1958, foi, ainda, indicado como delegado deste sindicato à Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado do Paraná, exercendo o mandato desde fevereiro de 1959.

No entanto, de acordo com a argumentação patronal, o trabalhador teria descumprido um regulamento da empresa, ao se retirar da seção de trabalho dirigindo-se à oficina para solicitar a intervenção de um mecânico. Foi questionado sobre o ocorrido pelo diretor-gerente e respondeu-o de forma grosseira e insolente. Assim, foi demitido no mesmo dia, 12/09/1960, de forma sumária e sem aviso prévio, não sendo observada sua condição de dirigente sindical em exercício legal de mandato.

A partir do ajuizamento da ação, travou-se verdadeira batalha, dentro e fora dos tribunais, pelo direito à estabilidade provisória garantida em lei, quando do exercício do mandado sindical. Na primeira instância, vencido o vogal dos empregados, Alderico dos Reis Petra, a ação foi julgada improcedente, em 05/05/1961, pela JCJ de Curitiba, presidida pelo juiz Júlio Assumpção Malhadas, sob o argumento da divergência quanto às orientações da jurisprudência, deixando em aberto a interpretação a respeito da forma como se estabelece tal estabilidade (art. 543 da CLT).4

Fato que causou grande estranhamento, ainda na primeira instância, foi o requerimento oficiado pela reclamada, no qual solicitava certidão sobre comportamento do reclamante, encaminhado à Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), bem como relatório sobre possíveis atividades subversivas nas quais teria envolvimento o operário em questão. 

Este ato da reclamada – mesmo com a negação do Delegado da DOPS, argumentando que as informações constantes nos fichários dos arquivos eram de interesse exclusivo da chefatura de polícia – causou grande comoção e indignação das entidades sindicais em todo o país. Foi tema na imprensa geral e operária por considerável período, criticando a violação do direito constitucional de liberdade política, já que a exigência de atestado de ideologia política não tinha qualquer amparo na legislação.

Seguindo a batalha pela estabilidade provisória e pelos direitos trabalhistas fundamentais, foi interposto pelo autor recurso ordinário, encaminhado ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (ao qual a Justiça do Trabalho do Paraná estava vinculada). O parecer da Procuradoria do Trabalho, na pessoa do procurador do trabalho adjunto substituto Paulo Chagas Felisberto, foi pelo provimento do recurso e pelo reconhecimento da estabilidade, devendo o operário ser readmitido em suas atividades e receber seus salários em atraso. 

No Acordão nº 3.874 de 05/12/1961, que teve como relator o juiz José Ney Serrão, sendo vice-presidente o juiz Homero Diniz Gonçalves, por maioria de votos, vencido o juiz Wilson de Souza Campos Batalha, foi dado provimento ao recurso e determinada a imediata reintegração do reclamante ao emprego, com direito ao pagamento dos salários não recebidos até aquele momento.

Não se conformando com a decisão do TRT da 2ª Região, que garantia a estabilidade provisória ao dirigente sindical, salvo comprovação de falta grave por meio de inquérito judicial, o empregador apresentou recurso de revista ao Tribunal Superior do Trabalho. Fundamentado na jurisprudência predominante e hegemônica sobre a questão, pautado no bom senso e na ação da justiça em conformidade com as leis de nosso país, o TST negou provimento ao recurso, por unanimidade de votos, respaldado pelo parecer da Procuradoria, na pessoa do procurador Marco Aurélio Prates de Macedo, em Acordão de 12/05/1964, que teve como relator o ministro Aldilio Tostes Malta, sendo presidente o ministro Starling Soares.

Após quase cinco anos de luta e persistência, foi alcançado o que de direito já havia sido conquistado socialmente, pois esta condição de estabilidade do trabalhador dirigente sindical já constava da lei, sendo confirmada pela decisão judicial prolatada pela Justiça do Trabalho, que cumpria com seu papel social e institucional. 

A coragem do operário Espedito Oliveira da Rocha, que, mesmo sofrendo múltiplas formas de pressão, constrangimento e privação, perseguiu seu objetivo, com apoio de seus companheiros, cumprindo a tarefa que havia assumido, quando eleito dirigente sindical, demonstra-nos a importância da organização dos trabalhadores para a exigência do cumprimento das leis que regulam as relações entre capital e trabalho."

Escultor e Comunista, o texto da Folha

Espedito Oliveira da Rocha (1921-2010) – Quando era criança em Pernambuco, Espedito Oliveira da Rocha recebeu um canivete. Em vez de descascar macaxeira com as irmãs, ele fez esculturas nas raízes. O dom descoberto ali ele usaria anos mais tarde.
Filho de agricultores descendentes de escravos, Espedito perdeu a mãe logo após o parto. Foi criado pelo pai e pelas irmãs mais velhas.

Nos anos 50, o militante do PCB desde 1938 mudou-se para o Paraná. Trabalhou na colonização do norte do Estado e, em Curitiba, na construção do Centro Cívico, onde ficam os prédios do governo.
Foi presidente de sindicato e se elegeu suplente de vereador pelo PTB, já que o PCB estava proibido.
Quando o golpe militar estourou em 1964, Espedito foi obrigado a fugir de casa.

Acabou preso em 1975, no Mato Grosso, com o nome de Tibúrcio Melo. Foi mandado para o Doi-Codi, em SP, e devolvido depois ao MT, com 38 kg. Como não misturava relações políticas com pessoais, era amigo do presidente da Arena local, que o ajudou.

Em São Paulo, com o nome de Tadeu Melo, viveu na casa de um amigo, que tinha materiais para fazer esculturas. O amigo desenhava, mas não conseguia pôr em prática. Quando o dono da casa voltou de uma viagem longa, as esculturas estavam prontas.

Espedito, virou artista plástico. Com a Anistia, voltou para Curitiba, e continuou envolvido com política.

Diagnosticado com câncer no ano passado, morreu na quinta-feira, 18 de novembro, aos 89, deixando filhos, netos e bisnetos.

Folha de São Paulo"

FAMOSOS E ANÔNIMOS

E assim o PCB, fundado por um grupo de operários em 22 de março de 1922, em Niterói, Rio de Janeiro, vai colecionando em sua história militantes históricos e lendários, entre trabalhadores, trabalhadoras,  artistas e intelectuais, profissionais liberais e autônomos, homens e mulheres, jovens e velhos que ajudam de uma forma ou de outra, a escrever a história da Revolução Brasileira. 

Seja um Giocondo, um Jorge Amado, um Ferreira Gullar, um Anélio Marques Guimarães, um William Dias Gomes ou um Carlos Mariguella. Um David Capistrano, um Nestor Veras, uma Anna Montenegro ou uma Anita Leocádia Prestes (hoje fora do PCB mas muito ligada à sua direção). Um Elson Costa e um Dimas Perrin. 

Seja um Alaor Geraldo Mendes ou um José Francisco Neres, um Armando Ziller ou um Orlando e Manoel Bandeira, um João de Deus Rocha ou um Carlos Drummond de Andrade, uma Raquel de Queiroz ou um Luiz Carlos Prestes e sua mulher Olga Benário, entregue pela ditadura Vargas para morrer nas câmaras de gás do Nazismo. Um Aldo Sagaz ou um Canoa.

É uma história escrita todos os dias, na cidade e no campo.Nas fábricas e nas universidades. Nos veículos de comunicação e na internet. 

É conduzindo um boeing ou um ônibus. É enfrentando aeroportos e voos infindáveis para participar  de um congresso internacional de trabalhadores e de partidos comunistas.

É perdendo horas de sono para ensinar marxismo-leninismo  a jovens militantes. É trazendo experiências de trabalho junto a partidos e organizações da sociedade civil para aperfeiçoar a linha do partido.

Ou dormindo em hotéis baratos para economizar a diária necessária para não sacrificar o pagamento do aluguel da sede do partido, a conta de telefone, ou o provedor da internet.

É recolhendo material em bibliotecas e centros universitários de pesquisa para reescrever fatos da história do país.

É sofrendo perseguição de vizinhos e de empregadores.

É não se prender a empregos burgueses a não ser para ganhar o mínimo indispensável para dar conta do leite e da carne para os filhos.

É viajando para cursar uma universidade mais em conta e criar lá  um núcleo da Juventude Comunista.



Ser comunista do PCB é não ligar a intrigas de camaradas nem sempre bem-informados. 

É vencer o cansaço natural advindo da idade e pressa da juventude;

É não prestar atenção a auditórios hostis e vazios e seguir adiante, confiante no futuro.

E o futuro é o socialismo. E o futuro é o comunismo. 

Com o PCB e/ou com um bloco de comunistas revolucionários unidos e , portanto, invencíveis.

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