PORTA DOS FUNDOS

                                 
Milionários do Youtube

Nelson de Sá (*)

Reproduzido da Folha de S. Paulo, 21/7/2013
      
O Porta dos Fundos completa um ano no dia 6 de agosto apresentado como prova, pelo YouTube, de que vídeo tem viabilidade financeira para além das plataformas de TV aberta e paga.

As estimativas de faturamento que circulam no mercado, de R$ 3 milhões em dez meses (da criação até o mês passado), com vídeos corporativos e publicidade, são descritas como “conservadoras” pelo próprio Porta.

João Vicente de Castro, um dos cinco sócios, responsável pela área comercial, diz que o grupo “tem uma política de manter isso em sigilo, porque as pessoas nunca pensam que a empresa tem gasto”, por exemplo, com funcionários.

Antonio Pedro Tabet, também sócio-fundador, diz que o objetivo desde o início era “fazer, na internet, algo que gostaríamos de fazer na TV, mas não tínhamos espaço”.

O risco financeiro foi até pequeno. “O investimento foi mais conceitual. De dinheiro também, mas como quem investe num hobby.”

Ele diz que desde o início já previa “algum retorno, mesmo que pequeno, porque tinha o [blog de humor] Kibe Loco [criado por ele há 11 anos] como plataforma de lançamento e porque confiávamos no nosso trabalho”.

Além de Castro e Tabet, o programa tem como sócios os atores Fábio Porchat e Gregório Duvivier e o diretor Ian SBF.

Para Tabet, o Porta comprova que, “sim, é possível obter lucro sem ser na TV”.

E o apresentador da Globo Luciano Huck não tem nada a ver com isso, garantem ambos. “Acho que esse boato [de que Huck investe no Porta] saiu porque dois integrantes trabalharam com ele, eu e o Kibe [Tabet]”, diz Castro.

NOVA INDÚSTRIA

Da parte do Google, dono do YouTube, o Porta dos Fundos é apresentado como “o grande exemplo do surgimento de uma nova indústria” em que vídeos profissionais não se restringem mais à TV aberta e paga ou à Netflix.

É o que diz Álvaro Paes de Barros, que comanda a área de conteúdo no país há um ano e meio. Foi perto de dois anos atrás que o Google começou a montar a área de parcerias de conteúdo, globalmente, “com o propósito de tornar o YouTube um destino de entretenimento, e não só um depositário de vídeos”.

Barros diz que “o Porta é sem dúvida o mais famoso, mas há vários outros canais brasileiros de sucesso: o Makeup by Camila, que dá dicas de maquiagem, o Rolê Gourmet, o Manual do Mundo”.

A relação entre YouTube e Porta está próxima agora, com elogios da plataforma às iniciativas comerciais do programa, inclusive vídeos corporativos criados diretamente para anunciantes como Fiat e LG --sem passar pelo Google.

Mas até poucos meses atrás o Porta ainda tinha como projeto adotar uma plataforma própria, como o americano Funny or Die.

O motivo é que no YouTube a publicidade em “banners” e no chamado “True View”, anúncio que antecede os vídeos, é vendida pelo próprio Google, que fica com 45% do faturamento.

“Antes a gente não era parceiro do YouTube”, diz Castro. “Hoje a relação é bem estreita. E a gente, por enquanto, está feliz lá. [A plataforma própria] não é um projeto para agora.”

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Filho de Tarso de Castro compara Porta ao ‘Pasquim’

Filho de Tarso de Castro, um dos criadores do semanário “O Pasquim” nos anos 1960, João Vicente de Castro, um dos criadores do Porta dos Fundos, diz hoje que as duas iniciativas “realmente têm muita coisa a ver”.

Mas de início ele resistia à “comparação pesada” com o pai, que marcou o jornalismo brasileiro também nos anos 1970 e 1980, quando foi editor da “Ilustrada” e do suplemento “Folhetim”. Ele morreu em 1991, aos 49 anos.

A seguir, trechos de entrevista com João Vicente, 30.

O Porta dos Fundos se estabeleceu financeiramente na internet, sem TV. Ele pode ser um marco?

João Vicente de Castro - Totalmente. Hoje em dia, [como] canal de internet, não vejo nenhuma empresa que seja parecida aqui no Brasil.
Que ganhe dinheiro, faça projetos e tenha funcionários, essas coisas. Foi uma revolução que a gente fez, quando acreditou para cacete nisso e falou, “vamos fazer”.

Antes você trabalhava com publicidade?

J.V.C. - Eu trabalhava na televisão e, antes, em publicidade. Fui morar em São Paulo logo cedo. Ganhei um estágio na W/Brasil, porque escrevia na revista da MTV e o Washington [Olivetto, publicitário] leu um negócio e me chamou.

Fiquei lá três anos, fazendo propaganda. Gostava do ambiente, mas não tanto do ofício. Sempre tive um lado muito pé no chão, de pensar no que ia fazer, ganhar dinheiro, até que entendi que só ficaria feliz com uma coisa que desse prazer. Aí voltei para o Rio e me chamaram para a Globo, como autor-roteirista. Foi quando conheci a galera e começamos a falar do projeto do Porta, que todos tínhamos ideia de fazer, cada um de um jeito. Conversando e criando, surgiu o que veio a ser o Porta.

Seu pai tinha um espírito empreendedor que você também parece ter. Como vê a trajetória dele?

J.V.C. - Eu era muito novo quando meu pai morreu. Vi o lado profissional dele depois.
Existem muitas teorias, de que o Ziraldo criou “O Pasquim” e não sei o que, mas, quem sabe, sabe que não é assim. Tem cara que tem muito mais crédito, sendo que quem fez foi meu pai.

Mas não consigo vê-lo como empreendedor exatamente. Eu o vejo como um cara criativo, que tinha ideias inovadoras e acabou criando um jornal que foi um marco na história do jornalismo.

Não sei se se pode dizer que é genética, influência, mas de qualquer maneira nesse caso aqui não fui eu que criei, fomos eu e meus sócios.

Cada um tem uma parcela de contribuição para o que acabou sendo o Porta.

“O Pasquim” foi criação coletiva. Estava lá o Paulo Francis, que depois foi colunista com seu pai na “Ilustrada”.

J.V.C. - Os inimigos [risos].

[amigos no início, eles teriam rompido nos últimos anos de carreira].

Foi uma aposta de risco daquele pessoal, em imprensa, e agora vocês fazem algo que também é muito diferente, em vídeo.

J.V.C. - Em tudo que fiz, nunca achei que ia me comparar com meu pai.

Era até uma coisa que não queria, uma comparação pesada. O Porta não é uma coisa que fiz por isso, para ser parecido com meu pai, mas acabou que tem a ver.

Hoje em dia, acho que “O Pasquim” e Porta dos Fundos realmente têm muita coisa a ver. Um mais politizado que o outro, enfim, cada um com suas virtudes e seus defeitos, mas, sei lá, se parecem.

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Grupo lança livro com roteiros de vídeos

Duas vezes por semana, às segundas e quintas, às 11h, entra no ar um novo vídeo do Porta dos Fundos. Dos mais de cem encontrados hoje em seu canal no YouTube, o grupo escolheu os roteiros de 37 para publicar em livro, pela editora Sextante.

O lançamento será no próximo dia 7, na livraria Cultura, em São Paulo.

Cada roteiro é apresentado por seu roteirista. Sobre um dos mais acessados, “Sobre a mesa”, com quase 9 milhões de exibições, Antonio Tabet conta ter testemunhado um marido tratar mal a própria mulher e que imaginou, para o esquete, “que verdades muitas e muitas mulheres gostariam de dizer a seus parceiros”.

De todos, o vídeo que marca mais o próprio Porta dos Fundos é “Spoleto”, que foi ao ar na segunda semana do canal, escrito por Fábio Porchat, ator e comediante de espetáculos stand-up.

“Quando estourou, o Spoleto [cadeia de fast-food parodiada] veio atrás da gente querendo patrocinar o vídeo e encomendou outros dois”, relembra ele.

“Foi a nossa grande virada: um, porque entrou dinheiro; dois, porque acordou as empresas para um tipo de propaganda que elas não imaginavam que seria possível ou que daria repercussão; e três, pela forma como o público nos comprou.”


(*) Nelson de Sá escreve sobre mídia para a Folha de S. Paulo (Com o Observatório da Imprensa)

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