O velho e o bom caminho das ruas. O êxito da presença de Anita Leocádia Prestes em Foz do Iguaçu

                                                                                    



Anita apresenta sua visão sobre marchas e sistemas políticos; série de debates superlota espaços públicos em Foz do Iguaçu 

Texto: Alexandre Palmar

Fotos: Adilson Borges, Julio Fornari e Fabiano Severino

Defender ideais revolucionários é um desafio e tanto em tempos modernos e confusos. Enquanto as massas gritavam “contra tudo” e “sem partido” nas ruas, a historiadora Anita Leocádia Benário Prestes fincava bandeiras em Foz do Iguaçu para resgatar importantes capítulos da história mundial, brasileira e iguaçuense. Anote aí: sua passagem por aqui ocorreu nos dias 20 e 21 de junho de 2013.

Cerca de 900 pessoas superlotaram o Teatro Barracão, a Unila Centro e o Colégio Estadual Barão do Rio Branco para debater a Coluna Prestes e a trajetória dos seus pais: o revolucionário Luiz Carlos Prestes e a militante judia Olga Benário. Ex-militante do Partido Comunista Brasileiro, Anita também expôs as divergências de Prestes com o Comitê Central do Partidão e os acertos e erros do PCB, em especial de 1958 a 1990.

O público esquentou ainda mais o debate ao trazer as Marchas do Vinagre como assunto do dia. Estudantes, universitários, professores, jornalistas, entre outras tantas pessoas, não economizaram perguntas sobre a onda de manifestações populares no País. Foram dois dias de intenso debate político que abalaram espaços públicos e ecoaram na imprensa, chegando a milhares de residências da região. 

Adolescentes e adultos se viram no mesmo fio da história durante a passagem da Anita Prestes, propiciada pela Casa da América Latina.  Refletiram sobre esquerda e a direita; progressistas e conversadores; comunistas e capitalistas (não, meu caro, não são rótulos...). Eis um resumo das declarações da professora do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mais abaixo as falas dentro do contexto:


Entrevista coletiva a imprensa na APP Sindicato 

• O filme “Olga” é pouco fiel à história, romantizado demais.
• A Coluna Prestes não se formou em Foz do Iguaçu, como frequentemente se afirma, mas nasceu no noroeste do Rio Grande do Sul.
• O Prestes, ao percorrer o interior do Brasil com a Coluna, se defronta com a situação crítica dos trabalhadores rurais.
• É impossível escrever, estudar e pesquisar a vida de Luiz Carlos Prestes sem levar em conta a história do PCB.
• O título expressa justamente o conteúdo do livro, mostra a luta travada por ele dentro da direção do PCB por um partido revolucionário.
• Mas os jovens deverão chegar a uma consciência que partidos comprometidos com os interesses populares serão necessários.
• O PCB (Partido Comunista Brasileiro), por exemplo, está tentando um caminho revolucionário.
• O PCdoB se intitula ‘Partido do Socialismo’, mas na realidade está fazendo a política do grande capital e pra isso não tem a menor cerimônia de falsificar inteiramente a sua própria história.
• Por que as grandes fortunas não são taxadas e submetidas a um imposto de renda maior?
• É preciso ajudar as lideranças a organizar partidos e organizações revolucionárias.

Ah, a série de encontros com Anita Prestes em Foz do Iguaçu teve realização da Casa da América Latina, com apoio da Guatá, Centro de Direitos Humanos, Casa do Teatro, Fundação Cultural, projetos de extensão Webrádio UNILA, CineDebate História e CineLatino, cursos de História e  de Ciência Política e Sociologia da UNILA, bem como do Grêmio Estudantil do Colégio Estadual Barão do Rio Branco.


Palestra no Colégio Estadual Barão do Rio Branco 

OLGA BENÁRIO

“Ela viveu muito pouco. Foi assassinada com 34 anos de idade. A sua trajetória política foi muito curta, basicamente na Europa, como militante da Juventude Comunista Internacional. Ela atuou na Alemanha, na Inglaterra e na França. No Brasil, a tarefa dela era técnica, de cuidar da segurança de Prestes. Ela não teve atividade política propriamente no Brasil. O filme “Olga” é pouco fiel à história, romantizado demais. O próprio diretor, Jayme Monjardim, disse que estava interessado em contar uma história de amor. Não queria falar de política, história ou na figura de Prestes. O livro de Fernando de Morais é bem melhor”.

BERÇO DA COLUNA PRESTES

“O resultado das minhas pesquisas, bastante detalhadas e documentadas, revelam que as versões historiográficas consagradas não correspondem ao que exatamente aconteceu. A Coluna Prestes não se formou em Foz do Iguaçu, como frequentemente se afirma, mas nasceu no noroeste do Rio Grande do Sul. 

Após importantes vitórias no Rio Grandes, a marcha chegou aqui no Oeste do Paraná num momento em que os rebeldes paulistas estavam derrotados. Tinha sofrido uma séria derrota em Catanduvas e estavam num estado de espírito de derrota. E foi graças à energia de Prestes, numa reunião realizada em Foz do Iguaçu, em 12 de abril de 1925, que a tropa paulista se integrou à Coluna Prestes. Esta foi reorganizada e chamada 1ª Divisão Revolucionária, que ganharia o nome de Coluna Prestes. (...) 

E continua Brasil afora. Ela percorreu 25 quilômetros de Sul ao Norte, de Leste a Oeste, passou por treze estados. Levou dois anos e três meses. Derrotou dezoito generais brasileiros que não conheciam a guerra de movimento. Ela saiu vitoriosa do Brasil para se exilar Bolívia. Nós não vamos vencedores, mas não fomos derrotados. A coluna também ficou conhecida como Coluna Invicta.

Essa é uma breve explicação no sentido de mostrar porque eu afirmo que a Coluna Prestes não foi formada em Foz do Iguaçu. Ela nasceu no Rio Grande do Sul, vem do Rio Grande do Sul e chegou vitoriosa aqui e incorpora os que sobraram das tropas paulistas após a derrota em Catanduvas”.

DA COLUNA PRO COMUNISMO

“Os líderes da Coluna Prestes não tinham a menor ideia de revolução, nem de marxismo, nem de comunismo. O que eles pretendiam era atingir os objetivos do movimento tenentista, que eram objetivos bastante limitados, que busca o voto secreto, representação e justiça, moralizar os costumes políticos, cumprir a Constituição de 91. Era uma revolta contra todos os absurdos da República Velha, a oligarquia cafeeira, paulista e mineira. Mas dentro da realidade brasileira na época era o possível. Eles queriam colocar abaixo o presidente Arthur Bernardo (...)

O Prestes, ao percorrer o interior do Brasil com a Coluna, se defronta com a situação crítica dos trabalhadores rurais, ele chega à conclusão que os programas não iriam resolver os problemas do povo brasileiro. E por isso ele propõe encerrar a marcha na Bolívia e começa a estudar o marxismo”.

PRESTES E PCB

“É impossível escrever, estudar e pesquisar a vida de Luiz Carlos Prestes sem levar em conta a história do PCB. São dois assuntos extremamente entrelaçados. Ao estudar, escrever sobre a vida de Luiz Carlos Prestes, eu tenho que conhecer bem, escrever sobre o PCB. E vice-versa. Esses dois assuntos tem sido o foco principal das minhas pesquisas nestes quase 30 anos”. 

LIVRO

“Luiz Carlos Prestes: O combate por um partido revolucionário (1958 – 1990). O título expressa justamente o conteúdo do livro, mostra a luta travada por ele dentro da direção do PCB por um partido revolucionário. Em março de 1980, Prestes lança a Carta aos Comunistas rompendo com a direção do PCB. Ele sai do Partido e reforça a necessidade de, a partir das lutas populares, incentivar as lideranças a estudar o marxismo –única teoria capaz de dar uma base para transformações profundas”.

MANIFESTAÇÕES NO BRASIL

“É de saudar o fato dos brasileiros irem para ruas lutando por reivindicações justas, principalmente os jovens. Sempre em todos os movimentos é a juventude que toma a dianteira, mais iniciativa, desprendimento e disposição de luta. 

Além do aumento das passagens, outras reivindicações estão presentes, como saúde pública e de qualidade. As pessoas estão cansadas. O ensino está deteriorado. No transporte coletivo, as pessoas levam 4 horas no ônibus. Efetivamente há um desprestigio da classe política. Isso revela um nível de politização muito baixo do nosso povo. Isso é inicio de um movimento, que corre o risco de ser manipulado. 

Claro que mostra despolitização o fato de serem contra os partidos, mas é preciso entender isso: são contra esses partidos que estão aí. Mas os jovens deverão chegar a uma consciência que partidos comprometidos com os interesses populares serão necessários. Chegará esse dia. Por enquanto estamos dando o primeiro passo”.  

O PCB

"A maior parte história do PCB, que foi criado em 1922, foi na clandestindade. A história do PCB é uma história de repressão pelo governo, clandedestinado, perseguição. Até hoje existem 10 dirigentes do PCB que estão desaparecidos. Não se sabe o destino deles. Sem falar nos militantes torturados. Ele teve poucos períodos de legalidade (...).

Os partidos não são confiáveis. Existem algumas tentativas. O PCB (Partido Comunista Brasileiro), por exemplo, está tentando um caminho revolucionário. Embora eu não seja do PCB, mantenho uma boa relação com alguns dos dirigentes do Partido (....) É a partir dos estudos que vai ser possível partidos e organizações revolucionárias no Brasil (...)”.

O PCdoB

O PCdoB (Partido Comunista do Brasil) nasceu em 1962 de uma cisão do PCB (Partido Comunista Brasileiro). Hoje o PCdoB continua sendo um partido reformista, só que ele chegou ao poder. Como? Na aliança como o PT, se incorporando a esse projeto de cunho neoliberal do PT e enganando bem as massas. Essa é a realidade.

O PCdoB se intitula ‘Partido do Socialismo’, mas na realidade está fazendo a política do grande capital e pra isso não tem a menor cerimônia de falsificar inteiramente a sua própria história, a história do Brasil, a história dos comunistas brasileiros. O PCdoB está falsificando o legado de Luis Carlos Prestes, Olga Benário, Gregório Bezerra e outros revolucionários brasileiros que sempre foram do PCB, nunca foram do PCdoB; o Prestes sempre condenou, com bastante ênfase, a política do PCdoB, é só consultar os jornais e os documentos da época.

 O PCdoB chegou a chamar o Prestes de reformista e traidor na época e daí pra baixo. E agora, nos programas de televisão, usam fotos como Prestes, Olga, Gregório como sendo parte da história do PCdoB. É uma mentira muito grande, é uma falsificação da história que não pode ser aceita”. 

GOVERNO LULA E DILMA

“Sem dúvida a presidente Dilma veio da luta, participou de grupos da luta armada. Participou, muito jovem, com 19 pra 20 anos, mas de lá pra cá muita coisa mudou. Tanto o Lula quanto a Dilma são uma continuidade dos governos neoliberais, em particular de Fernando Henrique Cardoso. Temos 10 anos de governo do PT privilegiando o grande capital internacionalizado. Isso que está sendo colocado em prática, distribuindo algumas migalhas para os trabalhadores. Essas bolsas famílias. Veja uma bolsa de 120 reais pra sustentar uma família é apenas para matar, provisoriamente, a fome.  Como a despolitização é muito grande, essas pessoas ficam entusiasmadas e votam em Lula e Dilma. 

O que está sendo destinado ao povo é migalha, a concentração de renda no país é cada maior. São dados do IBGE. Se melhorou um pouquinho a situação das grandes massas trabalhadoras, a situação dos grandes capitalistas, dos banqueiros melhorou muitas vezes mais. Por que as grandes fortunas não são taxadas e submetidas a um imposto de renda maior? É uma decisão política. Os impostos incidem principalmente da grande massa de trabalhadores e da classe média que têm desconto em folha de pagamento”.

O SOCIALISMO NO BRASIL

“Estamos bastante atrasados nessa caminhada. Não porque o povo brasileiro seja atrasado em relação ao venezuelano ou cubano, mas o processo histórico no Brasil se deu de tal maneira em que as classes dominantes sempre tiveram força suficiente para esmagar todas as tentativas de organização e participação popular. 

Todas as tentativas foram esmagadas a ferro e fogo, com muita violência. Por causa disso temos uma tradição de povo desorganizado. Só vamos conseguir avançar para as transformações profundas na sociedade brasileira a partir da organização popular. E você organiza o povo a partir e em torno das suas reivindicações, das suas lutas.

É preciso incentivar o surgimento de novas lideranças. E cabe aos intelectuais orgânicos ajudar essas lideranças populares nos estudos do marxismo. É preciso ajudar as lideranças a organizar partidos e organizações revolucionárias”.

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MEGAFONE - Alexandre Palmar

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