O fantasma das privatizações

                                                     
Concessões e incentivos do governo federal à iniciativa privada 
recebem críticas e mobilizam movimentos sociais e sindicais

                                          
Patrícia Benvenuti

da Redação 

Uma série de iniciativas do governo federal reacendeu, nas últimas semanas, os debates sobre a privatização no país. Um dos motes para a discussão foi a 11ª Rodada de Licitações de Blocos para Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural. Promovido entre 14 e 15 de maio no Rio de Janeiro, o leilão arrecadou R$ 2,8 bilhões – R$ 823 milhões a mais do que o antigo recorde, R$ 2,1 bilhões obtidos em 2009. 

A Agência Nacional do Petróleo (ANP) comemorou o resultado do leilão, realizado após uma pausa de cinco anos. A diretora-geral do órgão, Magda Chambriard, afirmou à imprensa que a rodada foi um bom parâmetro para “mostrar o apetite” das empresas para o próximo leilão, previsto para outubro. 

Movimentos sociais e sindicais, por outro lado, não ficaram nada satisfeitos com o novo leilão. Em 12 de maio, cerca de 600 integrantes de organizações populares promoveram ocupações no Ministério de Minas e Energia (MME) e na ANP para pressionar o cancelamento do leilão. 

Um espectro dos anos de 1990

O petróleo é apenas uma das preocupações das entidades, que temem uma retomada das privatizações que marcaram a década de 1990 durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Isso porque outros setores importantes da infraestrutura, como portos e usinas de energia elétrica, podem seguir destino semelhante ao dos aeroportos, entregues à exploração de empresas privadas em 2012. 

Para o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP) João Antônio de Moraes, o governo comete um “equívoco” ao adotar a política de concessões. “É um equívoco do governo colocar à disposição de empresas privadas, principalmente multinacionais, setores estratégicos da economia, como a energia e o petróleo”, afirma. Dos 30 grupos vencedores do leilão do petróleo, 18 são estrangeiros. 

Na avaliação do advogado e integrante da Consulta Popular, Ricardo Gebrim, apesar das diferenças jurídicas entre os regimes de concessão e privatização, as medidas do governo federal podem ser consideradas “privatizantes”. Ele entende que não há motivos para se optar, nesse momento, pelas concessões. 

“Não há necessidade e não faz sentido o governo brasileiro abrir espaços para a iniciativa privada quando ele próprio pode gerir. Ele [Estado] tem experiência, capacidade tecnológica, quadros, recursos que permitem isso”, explica. 

Na mesma semana que se realizava o 11ª leilão do petróleo, o governo conseguia aprovar, no Congresso Nacional, a Medida Provisória (MP) 595, que estabelece um novo marco regulatório para o setor portuário. O objetivo da chamada “MP dos Portos”, segundo o Planalto, é dar mais competitividade ao setor. A expectativa é de que a medida atraia investimentos de até R$ 50 bilhões ao setor. 

A medida vem sofrendo críticas por dar mais abertura à iniciativa privada. Um dos pontos mais polêmicos se refere ao transporte de cargas pelos portos privados. De acordo com as regras atuais, os portos privados só estão autorizados a transportar as próprias cargas. 

Com a MP, eles poderão realizar o transporte de cargas de outras empresas, entrando em competição direta com os públicos. Segundo opositores da medida, isso resultaria na falência gradativa dos portos públicos, que não conseguiriam enfrentar a concorrência. 

O presidente da Federação Nacional dos Portuários (FNP), Eduardo Guterra, partilha das preocupações e afirma que a medida pode causar uma “concorrência desleal” entre os dois tipos de portos. Ele explica, porém, que negociações da categoria com o governo garantiram algumas vitórias, como proteção especial aos trabalhadores e a retirada do parágrafo que permitia a concessão dos portos públicos e de sua administração para empresas privadas. 

“Todas as questões que nós colocamos como ponto de negociação com o governo foram contempladas”, comemora.

Usinas elétricas

Outro setor que vem ganhando atenção é o das usinas de energia. Até 2015, 12 hidrelétricas e 23 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) terão seus contratos de concessão encerrados. De acordo com a lei 9.074/95, terminado o prazo de concessão, as usinas terão que ser novamente licitadas  para novos interessados na exploração. Organizações populares reivindicam que a União tome medidas para mudar a legislação, podendo assim manter o controle sobre o setor elétrico. 

O governo, no entanto, não dá sinais nesse sentido. Em abril o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, afirmou que o leilão da usina de Três Irmãos, em Andradina (SP), deverá ocorrer ainda no primeiro semestre. Antes controlada pela estatal Companhia de Energia de São Paulo (Cesp), a hidrelétrica de Três Irmãos teve seu contrato de concessão vencido em 2011. 

A Cesp foi uma das três empresas que recusaram a oferta do governo para ter renovada a concessão de suas hidrelétricas, dentro do plano para baratear a tarifa de energia. 

Para o integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Joceli Andrioli, o governo perde a oportunidade de retomar o controle de bens estratégicos, preferindo manter a privatização do setor e os lucros das empresas privadas. 

“É uma tremenda contradição, é um erro político extraordinário”, afirma Andrioli. “Está se jogando a soberania nacional no lixo”, completa. 

O secretário-geral da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) e do Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ), Emanuel Cancela, critica o fato de o governo Dilma apostar nas privatizações – um tema que, na sua opinião, foi decisivo para conquistar o mandato. “Ela [Dilma] ganhou o debate e eleição [em 2010] justamente se contrapondo às privatizações. E agora faz justamente o contrário do que apregoou?”, critica. (Com o Brasil de Fato/Antonio Cruz-ABr.


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