NOTÍCIAS DO PLANALTO, A REVISÃO


                    
O que ocorre quando o repórter vira marqueteiro

Alberto Dines em 27/11/2012 na edição 722

        
No esplêndido diagnóstico que serve como posfácio à reedição do seu best-seller Notícias do Planalto (ver “Escândalos da República 1.2”), Mario Sergio Conti serve-se das transformações ocorridas na vida de alguns jornalistas-protagonistas para ilustrar os devastadores efeitos da passagem do tempo na qualidade do nosso jornalismo.

Em apenas 13 anos, aqueles bravos buscadores da verdade metamorfosearam-se em prósperos empresários da notícia. Antes se engajaram solitariamente na busca da verdade, na obsessão com a transparência, agora com o mesmo empenho e pertinácia mobilizam grandes equipes e recursos ilimitados para maquiar a realidade e esconder as aberrações políticas nos bastidores do poder.

João Santana, um dos personagens dessa metamorfose tão surpreendente e tão pouco kafkiana, foi o repórter investigativo da revista IstoÉ que descobriu e entrevistou Eriberto França, o motorista que comprometeu em definitivo o esquema de corrupção enquistado no governo do então presidente Fernando Collor de Mello, com isso empurrando-o inexoravelmente para a renúncia.

Inovação negada

O jornalista reapareceu com grande destaque na segunda-feira (26/11), na “Entrevista da 2ª” , uma das atrações semanais da Folha de S.Paulo. Na manchete da edição paulistana (“Marqueteiro do PT defende Lula para o governo paulista”), Santana aparece como marqueteiro político preparando o seu pacote para o pleito de 2014: Dilma para presidente e Lula para governador do estado.

Legítimo: o mercador tem todo o direito de fabricar sua mercadoria e quanto mais cedo o fizer mais chances de sucesso terá. O que surpreende não é a audaciosa jogada de converter o ex-presidente – bem-sucedido fabricante de postes – num poste. O que chama a atenção são as opiniões do premiado repórter investigativo no tocante a uma das investigações mais profundas e minuciosas já empreendidas pelo Legislativo, Ministério Público e Polícia Federal, que se materializaram na Ação Penal 470, vulgo mensalão.

Santana não entra no mérito das sentenças e castigos, mas expande-se sem constrangimentos a respeito do julgamento em si: foi um reality show, talvez o maior do planeta, sentencia. “Excesso midiático é um veneno”, continua o descobridor das prevaricações da Era Collor, esquecido que não fosse a pressão da mídia por ele alimentada Collor de Mello não teria renunciado antes mesmo do julgamento do seu impeachment.

Não contente, o filósofo Santana mergulha nos insondáveis mistérios da alma para pontificar: “O ego humano é um monstro perigoso, incontrolável”. O repórter Fernando Rodrigues, autor da entrevista, não explica se naquele momento o entrevistado olhava-se no espelho. “Os ministros estão preparados para julgar. Mas estão preparados para essa superexposição [midiática]?”

O furor do antigo buscador da verdade concentra-se integralmente na transmissão das sessões do Supremo Tribunal Federal. Alega que não existe uma corte suprema no mundo que tenha as suas sessões transmitidas ao vivo e, portanto, estamos errados em consagrar a inovação. Até admite que “a transmissão ao vivo potencializou os efeitos da pressão feita pela mídia antes do julgamento... Eu, como especialista em comunicação, me sinto no dever de dizer”.

Mestre dos mestres

João Santana ex-especialista em veracidade, hoje é expert em falácias. Ignora que a gravação das sessões é realizada pela TV Justiça, uma emissora do Estado brasileiro, entidade republicana, obedecendo à decisão soberana e republicana adotada pela mais alta instância do Poder Judiciário para tornar transparente a administração da justiça. A TV Justiça oferece o seu sinal às emissoras privadas para a retransmissão na íntegra ou em partes. Esta é uma inovação democrática da qual devemos nos orgulhar.

Os ministros do STF não se seduziram pela superexposição, pelo contrário: suas longas exposições no mais puro juridiquês pouco tinham de retórica. Estavam interessados em sustentar suas argumentações com complicadas remissões e referências técnicas. Se Santana considera esta seriedade como “teatralização”, está admitindo publicamente que nesses últimos 13 anos perdeu grande parte, senão toda, de sua capacidade intelectual.

Marqueteiro de dois caudilhos clássicos – Hugo Chávez, da Venezuela, e José Eduardo dos Santos, de Angola –, Santana perdeu a sensibilidade para as questões fundamentais do Estado do Direito. E, se por acaso for contratado pelo revolucionário Vladimir Putin, rapidamente conseguirá identificar-se plenamente com o diabólico dr. Joseph Goebbels, mestre dos marqueteiros políticos, o mais cínico propagandista do despotismo.(Com o Observatório da Imprensa)

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