Um sonho possível

                            
Ariosto da Silveira (*)


Enquanto representante da todo-poderosa Fifa fala em chutar o traseiro do brasileiro para que dê conta dos estádios novos ou reformados a tempo da Copa do Mundo, e, embora isso tenha causado "frisson" em determinados setores nacionais, uma estatística inquietante, apesar de sem novidade, vem reafirmar continuarmos disputando a taça de campeões da desigualdade. A imagem, então, é a de persistirmos no modelo de obras faraônicas para estrangeiro ver, enquanto pouco nos sensibilizamos em relação às iniciativas destinadas a oferecer ao maior número possível de pessoas os bens gerados pelo progresso nacional.
A pesquisa de uma entidade internacional dedicada ao combate à pobreza e à injustiça social colocou o Brasil no penúltimo lugar entre os mais desiguais de 20 países desenvolvidos ou emergentes, novo rótulo para os subdesenvolvidos. A turma em piores condições é a dos países em ascensão, e, quando o grupo se reduz para o bloco dos 12 mais pobres, aí ganhamos na disputa final, vencendo a África do Sul. Preocupa mais quando se considera a história relativamente recente do país sul-africano, social e economicamente solapado por décadas de segregação racial.

Os especialistas vislumbram horizonte de algum otimismo. Caso se confirmem as previsões de crescimento do PIB de cerca de 3,5% neste ano e de mais de 5% nos subsequentes, e, ao mesmo tempo, se mantenha a política de redução das desigualdades, nos próximos oito anos o número de pessoas pobres poderá ser reduzido em dois terços. Mas os condicionamentos para se chegar a esse resultado são muito sensíveis e sujeitos aos mais variados choques de interesses e a tentativas de quebra de padrões de comportamento dos governos e das elites em geral.


Nesse sentido, como acontece hoje com a megalomania dos estádios de futebol e das centenas de hotéis proliferando em todas as cidades onde ocorrerão as disputas, está na cultura nacional uma forte dose de avaliação com base nos dados numéricos das realizações públicas e das corporações de fundamento econômico. Excita o espírito brasileiro ter o maior estádio do mundo, a maior usina hidrelétrica, a maior ponte, e por aí afora. Tal critério de julgamento leva os governos a negligenciarem quanto a empreendimentos de reduzida ou nenhuma aparência, caso clássico das obras de saneamento, geralmente presentes nos discursos de candidatos, mas modestamente presentes nos relatórios de fim de mandato.

Sob o aspecto econômico, as estatísticas têm demonstrado a velocidade ao país ultrapassar nações tradicionalmente poderosas, como a Inglaterra. É motivo de orgulho e estímulo. No entanto, a experiência internacional indica a necessidade de se aferrar ao compromisso coletivo de proporcionar a todos os nacionais os benefícios do desenvolvimento, do contrário, correremos o risco de continuar na ponta da pirâmide invertida no tocante à justiça, que deveria ser a meta de todos. A igualdade, ou o máximo que dela se possa aproximar, é um sonho possível.

(*) Ariosto da Silveira é jornalista. Este artigo foi publicado dia 19 na edição imprensa de O Tempo

Comentários