Eu só acredito no modelo socialista, é o único que pode salvar a humanidade". A cantora está lançando um CD de músicas inéditas: "Nosso Samba está nas ruas"


             


Trechos da entrevista de Beth Carvalho concedida ao jornalista Valmir Moratelli, do iG por ocasião do lançamento do CD de músicas inéditas “Nosso samba tá na rua”, dedicado a dona Ivone Lara, com canções sobre a negritude, o amor e o feminismo.

iG: Em seu novo CD, a letra “Chega” é visivelmente feminista. Por que é raro o samba dar voz a mulheres?
BETH CARVALHO: O mundo, não só o samba, é machista. Melhorou bastante devido à luta das mulheres, mas a cada cinco minutos uma mulher apanha no Brasil. É um absurdo. Parece que está tudo bem, mas não é bem assim. Sempre fui ligada a movimentos libertários.
 
iG: A senhora é vizinha da favela da Rocinha. Como vê o processo de pacificação?
BETH CARVALHO: Faltou, por muitos anos, a força do estado nestas comunidades. Agora estão fazendo isso de maneira brutal e, de certa forma, necessária. Mas se não tiver o lado social junto, dando a posse de terreno para quem mora lá há tanto tempo, as pessoas vão continuar inseguras. E os morros virarão uma especulação imobiliária.
 
iG: Alguns culpam o governo Leonel Brizola (1983-1987/1991-1994) pelo fortalecimento do tráfico nos morros. A senhora, que era amiga do ex-governador, concorda?
BETH CARVALHO: Isso é muito injusto. É absurdo (diz em tom áspero). Se tivessem respeitado os Cieps, a atual geração não seria de viciados em crack, mas de pessoas bem informadas. Brizola discutia por que não metem o pé na porta nos condomínios da Avenida Viera Souto (em Ipanema) como metem nos barracos. Ele não podia fazer milagre.
 
iG: Aqui na sua casa há várias imagens de Che Guevara e de Fidel Castro. Acredita no modelo socialista?
BETH CARVALHO: Eu só acredito no modelo socialista, é o único que pode salvar a humanidade. Não tem outro (fala de forma enfática). Cuba diz ‘me deixem em paz’. Os Estados Unidos, com o bloqueio econômico, fazem sacanagem com um país pobre que só tem cana de açúcar e tabaco.
iG: Mas e a falta de liberdade de expressão em Cuba?
BETH CARVALHO: Eu não me sinto com liberdade de expressão no Brasil.

iG: Por quê?
BETH CARVALHO: Porque existe uma ditadura civil no Brasil. Você não pode falar mal de muita coisa.
iG: Como quais?
BETH CARVALHO: Não falo. Tem uma mídia aí que acaba com você. Existe uma censura. Não tem quase nenhum programa de TV ao vivo que nos permita ir lá falar o que pensamos. São todos gravados. Você não sabe que vai sair o que você falou, tudo tem edição. A censura está no ar.
iG: Mas em países como Cuba a censura é institucionalizada, não?
BETH CARVALHO: Não existe isso que você está falando, para começo de conversa. Cuba não precisa ter mais que um partido. É um partido contra todo o imperialismo dos Estados Unidos. Aqui a gente está acostumada a ter vários partidos e acha que isso é democracia.
iG: Este não seria um pensamento ultrapassado?
BETH CARVALHO: Meu Deus do céu! Estados Unidos têm ódio mortal da derrota para oito homens, incluindo Fidel e Che, que expulsaram os americanos usando apenas o idealismo cubano. Os americanos dormem e acordam pensando o dia inteiro em como acabar com Cuba. É muito difícil ter outro Fidel, outro Brizola, outro Lula. A cada cem anos você tem um Pixinguinha, um Cartola, um Vinicius de Moraes... A mesma coisa na liderança política. Não é questão de ditadura, é dificuldade de encontrar outro melhor para ocupar o cargo. É difícil encontrar outro Hugo Chávez.
iG: Chávez é acusado por muitos de ter acabado com a democracia na Venezuela.

BETH CARVALHO: Acabou com o quê? Com o quê? (indaga com voz alta)

iG: Com a democracia...

BETH CARVALHO: Chávez é um grande líder, é uma maravilha aquele homem. Ele acabou com a exploração dos Estados Unidos. Onde tem petróleo estão os Estados Unidos. Chávez acabou com o analfabetismo na Venezuela, que é o foco dos Estados Unidos porque surgiu um líder eleito pelo povo. Houve uma tentativa de golpe dos americanos apoiada por uma rede de TV.
iG: A emissora que fazia oposição ao governo e que foi tirada do ar por Chávez...
BETH CARVALHO: Não tirou do ar (fala em tom áspero). Não deu mais a concessão. É diferente. Aqui no Brasil o governo pode fazer a mesma coisa, televisão aberta é concessão pública. Por que vou dar concessão a quem deu um golpe sujo em mim? Tem todo direito de não dar.
 
iG: A senhora defende que o governo brasileiro deveria cassar TV que faz oposição?
BETH CARVALHO: Acho que se estiver devendo, deve cassar sim. Tem que ser o bonzinho eternamente? Isso não é liberdade de expressão, é falta de respeito com o presidente da República. Quem cassava direitos era a ditadura militar, é de direito não dar concessão. Isso eu apoio.
   
iG: Por ser oriundo dos morros, o samba foi conivente com o poder paralelo dos traficantes?
BETH CARVALHO: Não, o samba teve prejuízo enorme. Hoje dificilmente se consegue senhoras para a ala das baianas nas escolas de samba. Elas estão nas igrejas evangélicas, proibidas de sambar. Não se vê mais garoto com tamborim na mão, vê com fuzil. O samba perdeu espaço para o funk.
iG: Quem é o culpado?

BETH CARVALHO: Isso tem tudo a ver com a CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA), que quer acabar com o samba. É uma luta contra a cultura brasileira. Os Estados Unidos querem dominar o mundo através da cultura. Estas armas dos morros vêm de onde? Vem tudo de fora. Os Estados Unidos colocam armas aqui dentro para acabar com a cultura dos morros, nos fazendo achar que é paranoia da esquerda. Mas não é, não.
iG: O samba vai resistir a esta “guerra” que a senhora diz existir?

BETH CARVALHO: Samba é resistência. Meu disco é uma resistência, não deixa de ser uma passeata: “Nosso samba tá na rua”.

FONTE: iG

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