1- Em 2009 houve no Brasil 43.909 homicídios, fazendo com que o país tenha uma taxa de 22,7 homicídios por 100 mil habitantes

2- A taxa dos homicídios no país é duas vezes superior à média mundial

3- O perfil predominante dos que morreram assassinados segue um padrão: 70% dos crimes com mortes são por armas de fogo.

São dados constantes da resolução do Seminário sobre Prevenção à Violência em Itabira, realizado no último dia 27. Os participantes aprovaram uma série de medidas, conforme pode-se constatar no texto final aqui publicado, Dentre elas o pedido de instalação na cidade de uma Vara da Justiça da Infância e Juventude.

Carta Aberta às Autoridades Sobre a Violência

Este é o documento da Comissão de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual e Doméstica de Itabira, aprovado durante o Iº Seminário de Prevenção à Violência, que será encaminhado às principais autoridades do município de Itabira/MG.

"Os estudos estatísticos levados a cabo por diferentes organizações ao longo dos anos revelam, quase sempre, o aumento da criminalidade nas cidades brasileiras, deixando transparecer um processo lento e silencioso de degradação moral e ética em nossa sociedade. A Organização das Nações Unidas divulgou um relatório no dia 06/10/2011 sobre a violência no mundo, medida pelos homicídios. Com aproximadamente 48 mil mortes por ano, o Brasil é um dos países que detém uma das maiores taxas de homicídios no mundo, segundo o documento divulgado pelo relator especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre Execuções Arbitrárias, Sumárias ou Extrajudiciais, Philip Alston. A agência afirma que em 2009 houve no Brasil 43.909 homicídios, fazendo com que o país tenha uma taxa de 22,7 homicídios por 100 mil habitantes. A taxa dos homicídios no país é duas vezes superior à média mundial, segundo o texto. Considerando o tamanho da população, o Brasil possui a terceira maior taxa de homicídios da América do Sul, atrás apenas da Venezuela e da Colômbia, segundo o estudo. O perfil predominante dos que morreram assassinados segue um padrão: 70% dos crimes com mortes são por armas de fogo. Homens com idades entre 15 e 44 anos, negros e pobres são as vítimas mais comuns.

A ONU aponta que “desigualdade social e crime organizado mais intenso (narcotráfico) são as duas principais razões da violência no Brasil”. O relatório atribui o aumento da violência a flutuações no tráfico de cocaína e à competição entre grupos rivais de traficantes, particularmente quando há queda no fluxo de drogas.

Indignado e assustado, o Brasil assiste ao desenvolvimento da organização da estrutura criminosa (com suas leis, economia e cultura próprias) e busca desenvolver estratégias para seu enfrentamento. O aumento crescente da criminalidade atinge indistintamente todas as classes sociais e faixas etárias e se perpetua ao longo do tempo, pois os atos de violência contaminam as relações familiares, de trabalho, enfim, toda a vida social. Não é mais possível continuar convivendo com a realidade da insegurança e da barbárie que abalam o cotidiano de inúmeras famílias, aceitando-as como se fossem situações normais, que possam fazer parte da vida em comunidade.

Sabemos que o patriarcado, materializado nas relações desiguais de poder entre mulheres e homens, anterior ao racismo e ao próprio capitalismo, historicamente acompanha a realidade brasileira, fundando estruturas opressivas, que se perpetuam no âmbito privado e público. Redesenhar essas relações sociais nos exigirá uma reflexão permanente e sobretudo uma práxis diferenciada. A superação desta realidade e a construção de uma sociedade livre de toda e qualquer forma de exploração, preconceito e opressão, implica, necessariamente, no compromisso individual e coletivo de desenvolver novas formas de relações interpessoais dentro de nossas organizações sociais. São as situações concretas no cotidiano e, fundamentalmente, os nossos posicionamentos frente a elas que podem fazer avançar a construção do processo de paz social.

Um basta à violência só se alcança com medidas concretas e limites rigorosos que garantam o cumprimento das normas de respeito à vida. É inegável que a violência – cujo fenômeno, reconhecemos, é multifacetado e incorpora inúmeras causas – se enraíza na impunidade e se ancora na descrença da possibilidade de uma resposta eficaz às ações criminosas. Estas passam a ser banalizadas no cotidiano das relações sociais e, pouco a pouco, são incorporadas no dia a dia da população. A incivilidade e as atitudes hostis na família, o assédio moral, a inveja, o ciúme, a vaidade, a rivalidade e as perseguições nas relações de trabalho, a busca irracional e deturpada por poder e vantagens nas instituições sociais sufocam os valores mais fundamentais de uma sociedade. Assim, uma criança imersa num contexto de violência doméstica e social, pode chegar à idade adulta sem ter conhecido pessoas honestas e afetuosas em toda sua história de vida. Não tendo referenciais éticos e morais, certamente reproduzirá a violência em suas relações pessoais. Desta forma as cidades vão morrendo aos poucos, sob o cortejo ultrajante da indiferença e da apatia.

Estamos certos de que para a construção da paz social cada um, individualmente, precisará refletir sobre suas atitudes frente aos pequenos e grandes atos criminosos e, em seguida, precisará se posicionar em relação a que mecanismos de controle social está disposto a desenvolver, para que possamos viver melhor em nossa comunidade. Que tipo de sociedade desejamos para nós e para nossos descendentes?

Os integrantes da Comissão de Atenção às Vítimas de Violência Sexual e Doméstica do Município de Itabira tornam público neste ato seu posicionamento em defesa da idéia de que precisaremos coletivamente tomar medidas emergenciais voltadas para o cumprimento das determinações da Constituição Brasileira, que garante a todo cidadão o Direito à Vida. Esse direito fundamental tem sido negado a inúmeras crianças, adolescentes, idosos, mulheres e homens, pais de família e filhos que perdem a vida diariamente ou se vêem ameaçados, com a incapacidade de resposta de nossa sociedade ao fenômeno da violência. Ressaltamos que, durante os últimos três anos temos firmado intensos debates sobre esta questão e todas as deliberações desta Comissão tiveram como pano de fundo a preocupação em promover a paz social com o engajamento de toda a comunidade.

Considerando o direito que todos temos de viver em uma sociedade justa, abrimos espaço neste fórum para refletir acerca de nossa realidade atual e avaliar as alternativas que possuímos para o enfrentamento do fenômeno da violência. Durante os debates entre as mais diversas autoridades no dia de hoje pudemos reconhecer que em Itabira existem iniciativas importantes para o enfrentamento à violência, mas incipientes e fragmentadas.

Serão necessários ajustes importantes, mas já podemos vislumbrar posturas louváveis adotadas nesse sentido pelo Poder Executivo local. Com a publicação da Lei nº 4.444, de 22/07/2011, que estabelece as diretrizes para a elaboração da Lei Orçamentária Anual do Município de Itabira para o exercício de 2012, obtivemos importantes garantias. Nesta lei está previsto o investimento de R$205.000,00 nas ações de promoção de assistência especializada e, dentre elas, aquelas que têm a finalidade de promover a assistência à saúde das vítimas de exploração sexual infanto-juvenil. Também está previsto o incentivo à criação de programas e projetos de prevenção e atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual. A quantia de R$1.800,00 foi destinada à manutenção do Centro de Referência da Mulher, visando desenvolver as atividades voltadas ao enfrentamento à violência de gênero.

O direito à vida está sendo diariamente violado em nosso município e exige medidas emergenciais de caráter corretivo, voltadas para o aperfeiçoamento e a qualificação das instituições, sejam elas de segurança pública, educacionais, de atenção à saúde, religiosas e outras. É preciso rever as leis e suas aplicações. Soma-se a isso a necessidade de garantir a agilização e modernização do Poder Judiciário, como base de sustentação das medidas cotidianas de cumprimento das normativas de respeito à vida. Dessa forma, reivindicamos aos integrantes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário que voltem suas ações para o esforço conjunto de combate à violência em nosso município e região, como forma de desestimular a criminalidade e a impunidade. Esperamos que todos os cidadãos e as autoridades, em particular, revejam suas atitudes a partir de uma intensa reflexão de suas posturas. Que compreendam que a autocrítica é o primeiro passo, necessário para superação de práticas que propiciam a continuidade do fenômeno da violência.

Neste ato reivindicamos, concretamente:

1 – A união dos Poderes e das instituições para a integração de suas ações no combate e prevenção à violência no município de Itabira/MG;

2 – O expresso compromisso das autoridades para garantir a melhoria da articulação e estruturação da rede social, iniciando-se com a catalogação de todas as instituições prestadoras de serviços públicos e voluntários e da disponibilização do catálogo em formato virtual e impresso para todos os interessados;

3 – A efetividade no atendimento às vítimas de violência com o estabelecimento de parcerias com universidades e núcleos de estudos a fim de garantir o monitoramento do fenômeno da violência no município, pesquisando, desenvolvendo e aplicando tecnologias da informação que possam ser utilizadas pelos profissionais envolvidos na gestão dos sistemas municipais e pela comunidade em geral e que garantam a análise dos dados, a produção e disseminação do conhecimento;

3.1 – Pretende-se que a atuação se dê de forma intersetorial, apoiando a produção de informação adequada à identificação da vulnerabilidade nos níveis individual, familiar, institucional e comunitário, a promoção da cultura da paz e a formulação de políticas públicas destinadas ao enfrentamento da violência;

4 – Aperfeiçoamento da legislação local, no sentido de lhe conferir maior eficácia, na prevenção da violência e no combate a impunidade;

5 – Introduzir na grade curricular das escolas municipais disciplinas que concorram para a formação ética das crianças e adolescentes e prevenção da violência;

6 - A intervenção junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a fim de garantir a instalação da Vara da Justiça da Infância e Juventude, com sua respectiva equipe técnica judiciária, para atender à necessidade de se fazer justiça e restaurar o valor da vida, desqualificado pela banalização da violência e pelos sucessivos benefícios obtidos pelos agressores, incompatíveis com a gravidade e com as consequências dos crimes cometidos;

7 – Garantir a efetiva implantação da Delegacia da Família, cujo projeto encontra-se em fase inicial de discussão entre as autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo, e o posterior desenvolvimento de projeto de intervenção psicossocial junto aos agressores e às vítimas;

8 - Implementação de uma agenda anual na Câmara Municipal, onde, por meio de audiência pública, possam ser discutidos temas sobre a violência e suas consequências, assim como outros assuntos relacionados com a crescente onda de criminalidade, ocorrida em todos os níveis da sociedade itabirana;

9 – Criação de um programa de educação permanente, que garanta aos trabalhadores da rede de atendimento uma qualificação e a capacitação para o enfrentamento da violência e para a promoção da paz;

10 – Garantir a sensibilização dos profissionais, em especial aqueles que atuam na área médica, para que se comprometam com o atendimento humanizado às vítimas de violência;

11 – Assegurar a articulação entre os Poderes Judiciário e Executivo para a implantação na Comarca da experiência de rede de Cadeia de Custódia;

12 – Promover ações que concorram para o fortalecimento e expansão dos CRAS e CREAS;

13 – Assegurar a criação de entidade que desenvolva programa de proteção às vítimas de violência, sob a forma de abrigo, vislumbrando-se a possibilidade de estabelecimento de consórcio intermunicipal;

14 - Assegurar a criação de programa de atendimento ao agressor, sob a perspectiva de intervenção terapêutica, por meio dos recursos municiais ou intermunicipais consorciados.

15 - Finalmente, promoção da mobilização social, com o envolvimento ativo dos cidadãos, das organizações sociais e das empresas nos rumos dos acontecimentos de nossa sociedade, a fim de garantir um maior controle e efetivação das políticas públicas.

Por último, declaramos publicamente acreditar que a Prefeitura Municipal de Itabira estará engajada nas propostas do Movimento de Promoção da Paz e dos demais movimentos voltados para a luta contra a violência e a instituição da cultura da paz, uma vez que é a mais alta casa da representação popular do município e jamais se ausentou das discussões das grandes questões que afligem o povo itabirano.

Manifestamos nosso apoio às iniciativas do Poder Executivo local e finalizamos reafirmando nosso compromisso de promover a paz e resgatar a dignidade humana, ousando expressar nosso repúdio a toda e qualquer forma de preconceito, machismo,violência e opressão.

Itabira, 27 de outubro de 2011.
Comissão de Atenção às Vítimas de Violência Sexual e Doméstica do Município de Itabira/MG."

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