MEC opta por ferir a língua



Carlos Lúcio Gontijo

Nada contra a linguagem nem o linguajar coloquial, pois a comunicação oral familiar é aceita do ponto de vista linguístico (e até social), mas não nos permitimos aprovar a iniciativa do Ministério da Educação e Cultura – MEC – de adotar e distribuir livro com o inimaginável objetivo de ensinar a escrever errado, sob o signo de irresponsável conivência, semeando exclusão no produtivo húmus do canteiro da educação, uma vez que o mercado de trabalho não abrirá suas portas a candidatos se expressando na base do “nóis qué emprego”, que mais tarde recorrerão ao governo reivindicando uma bolsa (ou até indenização) de ajuda, por terem contado com a anuência do governo na sua má formação educacional.

Minha avó Venina Gomes, que virou nome de escola em Moema/MG, costumava dizer que a ignorância é atrevida e que ela não está apenas entre os desprovidos de escolaridade ou conhecimento, mas também entre os letrados, com doutorado e coisa e tal, como é o caso dos burocratas do MEC, que ao que parece desistiram de ministrar instrução, optando por se aliar aos analfabetos (ou sem leitura), pouco se lixando para o risco de construir, por intermédio de sua tresloucada decisão, algo parecido com o ato de, ante o atual quadro de violência generalizada, proceder ao armamento de todos os cidadãos com ordem oficial para reagir e matar.
Os erros ortográficos graves e as concordâncias equivocadas (agora sob a chancela e apoio do MEC) se estampam em placas, faixas, panfletos, jornais, revistas, anúncios e chamadas na televisão, na internet e até nos livros, levando-nos à triste conclusão de que o português, aquela “última flor do Lácio, inculta e bela”, anda padecendo de males que vão muito além da inquietante contaminação pela avassaladora inclusão de expressões estrangeiras no vocabulário brasileiro, que ocorre como se nossa língua não fosse mais detentora de inesgotável riqueza e dinamismo, capacitando-a à criação de neologismo substituto em vez de adoção imediata da grafia proveniente de outro idioma.

Infelizmente, os jornais desistiram de ser emissores de cultura linguística, restringindo-se apenas ao conteúdo informativo. Ou seja, todos os veículos de comunicação impressa se prendem tão-somente à gama de noticiário e, por isso, já não nos surpreendemos com a série de verdadeiros atentados à língua pátria com que eles se nos apresentam. Ademais, a orientação editorial dos jornais (que há muito extinguiram o departamento de revisão) vem sobrevalorizando o aspecto gráfico-visual, numa tentativa vã de concorrer com a imagem da televisão e não mais com a rapidez de sua estrutura de informação, o que, ao contrário, lhe exigiria textos mais analíticos, profundos e com mais dados elucidativos sobre os assuntos ou temáticas tratadas. É como se os jornais pretendessem, enfim, descer ao nível do chamado leitor de gravuras; aquele que, culturalmente, não progrediu.

O resultado real e mais concreto de tudo isso fica na constatação dolorosa de que não está havendo renovação nem ampliação do número de leitores no Brasil. Na condição de autor independente que caminha para a edição do 14º livro (o romance “Quando a vez é do mar”), sentimos que estamos deixando a competição material e os apelos emitidos pela produção cultural supérflua ou descartável lograrem a glória obscura de nos eliminar a busca espiritual através do teatro, da boa música, do cinema, da pintura, do artesanato, da escultura, da poesia e da literatura, que têm o poder divino de transformar e refazer o sentimento de interação entre as pessoas, tornando-nos possível a vida em comunidade.

Ao contrário da ação favorável à depreciação do idioma patrocinada pelo MEC, aprendemos, no exercício da palavra escrita, o valor que tem a língua para o enraizamento da noção de pátria na mente de cada cidadão. Dessa forma, aviamos aos que habitam os países de língua portuguesa (Brasil, Portugal, Moçambique, Angola, Guiné Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, formando um contingente populacional de bem mais de 200 milhões de pessoas) a injeção espontânea de um antídoto contra o vírus da letargia colonialista que corrói a nossa língua portuguesa, componente exponencial para a construção de nicho fértil ao relacionamento de amor entre os cidadãos e a pátria, que se dá oral e prazerosamente pela fala e pela comunicação escrita.

(*) Carlos Lúcio Gontijo é poeta, escritor e jornalista

 
(Imagem: charge de Lute/Google/Divulgação)

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