O comunista e o vice-presidente

José Carlos Alexandre
Assim como um rio jamais é o mesmo em todo o tempo, por mais que se seja comunista (e comunista, graças a Deus) nunca se é comunista o tempo todo. Quem assim julgar estará profundamente enganado.

Há sempre tempo para militar e para amar, trabalhar, filosofar, viajar etc.

E, principalmente para dialogar. Um bom papo é irresistível ,embora, no meu caso, goste mais de ouvir do que de falar...

Pelo menos ouvi esta ladainha ao longo de mais de 40 anos de jornalismo...

Há quatro anos, quando saímos do campus da UNA, na Rua Aimorés, eis que também sai o vice-presidente José Alencar.

Ambos havíamos tomado parte da solenidade de posse da nova diretoria do Sindicato dos Jornalistas.

Não o via há muito. Desde quando era presidente da Federação das Indústrias e tive de lá comparecer a uma festinha de fim de ano oferecida a jornalistas,

Homem simples, sempre atencioso para com os jornalistas, o vice-presidente lembrou-se do fato e passamos a conversar sobre ele e sobre o fechamento do "Diário da Tarde", um vespertino de BH que, para enfrentar a concorrência dos jornais cariocas e paulistanos passou a circular de manhã, até ser liquidado por sua diretoria.

O assunto resvalou sobre o câncer, que ele abordou, como sempre, sem o menor constrangimento. E a conversa entre o comunista e um dos maiores capitalistas brasileiros rendeu mais uns quinze,vinte minutos, enquanto um de meus filhos aproveitou para tirar fotografias...

Depois cada um entrou em seu carro ( o dele, o oficial, cercado por seguranças) e fomos embora.

Não demorou muito e o vice-presidente do sindicato,outro comunista, Délio Rocha,morreu no decorrer de outra cirurgia, no Hospital Felício Rocho.

Hoje é nome de um dos principais prêmios jornalisticos de Minas.

Alencar morreu ontem, um pouco antes das três da tarde.

Eu continuo rabiscando estas linhas, depois de sobreviver à ditadura militar e ao câncer.

Mesmo porque, embora internado depois de voltar do Oriente Médio com uma pneunonia, como aprendi com o vice-presidente, "desgraça pouca é bobagem"...

Comentários

Alexandre, sinto-me feliz por ter participado desse momento ao lado do vice presidente José de Alencar a quem admirava pessoalmente, embora politicamente não fechasse com seus ideais. Ele foi um dos melhores contadores de história que conheci, como a famosa ocorrida na China quando ele fez um hotel de luxo incluir no folder institucional a cidade de Uba entre as três maiores cidades d Brasil, ao lado de Ri e São Paulo.
Lembro-me de sua alegria fazendo esse registro peralta como quem marca a história com esferográfica, para não apagar numa mais.