O VÍCIO NOSSO DE CADA DIA


Hermínio Prates (*)

Há quem ainda duvide, mas televisão também vicia. Conheço gente que regula a vida pela grade de programação da TV. Uns juram que não, outros até admitem uma certa fraqueza, mas todo filho desse vale de lágrimas sabe que é assim mesmo. Há telemaníacos que não saem de casa nem com reza brava. E nem é pelo temor dos filhos da impunidade que nos tocaiam nas esquinas. Os que não abandonam o sofá de jeito nenhum não querem é perder a dose diária do estupefaciente televisivo. E se saem de casa à noite, só o fazem depois da novela. Mas como a última só acaba lá pelas 10, adeus teatro, cinema, coquetéis. Aniversários e visitas a amigos são possíveis, desde que a intimidade permita uma fuga para um cantinho da casa onde reine algumas polegadas de ilusão.
Quem se deixa prender pelos ganchos narrativos tenta explicar que um capítulo da novela é uma perda irreparável para quem não quer se confundir nas idas e vindas da ficção.
Situação pior, garantem os estudiosos da comunicação, é a de outros aficionados, aqueles que perdem preciosas horas diante de um programa de auditório recheado de closes ginecológicos e/ou cenas de violência. Quem é do ramo garante que, tal qual o cigarro, o álcool e outras drogas mais pesadas, a telinha em excesso pode causar dependência.
Os pesquisadores americanos Robert Kubev, diretor do Centro de Estudos de Mídia da Universidade Rutgers, e Mihaly Csikszentmihalyi, professor de psicologia da Universidade de Claremont, concluíram que assim como o dependente de cocaína tem o impulso de cheirar mais para manter o estado de euforia, o telespectador contumaz sente necessidade de ficar grudado à TV para manter a sensação de relaxamento que o hábito produz. Certas funções orgânicas do telespectador, como as faculdades cognitivas ou até as articulações e a postura, é que são prejudicadas.
O método da dupla incluiu o monitoramento das ondas cerebrais, a resistência da pele e os batimentos cardíacos de voluntários diante da televisão. Sua principal contribuição foi explicar o que faz as pessoas se tornarem escravas da telinha. Quando assiste à TV, a pessoa se sente relaxada, mas essa sensação se esvai tão logo o aparelho é desligado. Porém o estado de passividade e de diminuição de atenção permanece.
Mas, garantem os pesquisadores, ninguém precisa ficar alarmado, pois é forçoso reconhecer que a televisão informa e diverte. Só que não se pode abusar.
E qual seria o tempo considerado ideal para manter corpo e mente ilesos dos danos que o excesso de TV pode causar?
Para tristeza da dona Maria, novelista militante, e do seu José, vibrante adepto das proezas dos ratinhos, faustões, gugus e outros do mesmo naipe, o recomendável seria pouco mais do que um capítulo de novela; em média uma hora diária, comprovam os cientistas.
O que eles certamente não sabem é que o brasileiro vê, em média, quatro horas diárias e em São Paulo o altar televisivo é venerado durante um quarto do dia.
Mas a praga não é só nossa, pois a ela os europeus sucumbem três horas e meia e os americanos uma hora a mais, todos os dias. Pelo menos nesse quesito, os adoradores de imagens televisivas do primeiro e de outros mundos se igualam.
E o pior nem é isso. Para desagrado dos que fazem da televisão um culto insubstituível, esse maledicente catador de letrinhas pretende, quando menos se esperar, voltar ao tema e jogar mais pedras nos telhados alheios. Quem duvidar que nos aguarde em uma das vibrantes páginas das próximas edições. E a ameaça é séria!..

Hermínio Jornalista
· herminioprates@ig.com.br
(Ilustração: Quino/Divulgação)




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