OS VÍCIOS DE SEMPRE

Hermínio Prates

Ah, como se contorcem os homens públicos que se crêem acima do bem e do mal...
E todos com o objetivo único de não perderem o trem das oportunidades. Na rima do lé com cré chutam princípios e esmurram a moralidade. Ética? Que bicho raro é esse que quase não se vê nos livros que contam a história da humanidade? E se o livro, bem mais durável que um descartável jornal, troca o acontecido pelo irreal, imagine o que se imprime hoje e que amanhã mal serve para embrulhar peixe...
É velha mania desse irrecuperável roedor de pequi pesquisar escorregões alheios em velhos jornais. Há o registro de fatos únicos, que não se repetem, mas a maioria do que se leu ontem é o mesmo de hoje, apenas com a substituição de datas, nomes. E a atualização da moeda, que ninguém é besta de se vender a preço de papel colorido corroído pela inflação.
E é cada uma que se vê...
Exemplo? Esse é da Tribuna da Imprensa, edição do dia 18 de julho de 1957. A Tribuna, que se proclamava “um jornal que diz o que pensa porque pensa o que diz”, sempre é lembrada por duas violentas campanhas: primeiro contra Getúlio Vargas e depois contra Juscelino Kubitschek, eleitos em dois momentos históricos como adversários preferenciais da verborragia lacerdista.
Na edição citada a manchete foi: Dinheiro do Banco do Brasil para Chatô pagar as dívidas. E com o subtítulo Kubitschek manda dar Cr$ 40 milhões, o texto informava que “O Banco do Brasil interrompeu a prescrição da dívida do Sr. Assis Chateaubriand que montam a Cr$ 70 milhões. A medida é tomada ao mesmo tempo em que o Sr. Juscelino Kubitschek, presidente da República, determina ao Banco do Brasil que empreste mais Cr$ 40 milhões a Chatô. As dívidas de Chatô estavam em vias de prescrição. Passado o prazo, dentro do qual o Banco do Brasil devia efetuar a cobrança, Chatô não seria mais obrigado a pagar. É escusado dizer que o prazo de pagamento, que antecede ao da prescrição, já passou há muito tempo sem que Chatô saldasse os seus compromissos com o Banco do Brasil”.
Em 1957, no desgoverno de JK, o financiador da irresponsabilidade era o Banco do Brasil e o beneficiado das fartas e fáceis verbas públicas posava como o homem mais poderoso do país.
Em 2004, 47 anos depois, o presidente já era o ex-operário que chutou os sonhos alheios para o dia de são nunca, o Banco do Brasil já cedera o papel de babá dos poderosos ao magnânimo BNDES e o endividado é o império montado por Roberto Marinho, que em 1957 nem sonhava com tal façanha. Como se vê, os nomes mudaram, mas o fato é o mesmo, pois todos sabem que os veículos de comunicação – com o pessoal das Organizações Globo também na liderança dessa empreitada – queriam de qualquer jeito o minguado dinheirinho dos cofres públicos para pagar as dívidas que nós não fizemos.
Em 1957 foram Cr$ 40 milhões (essa fortuna equivaleria hoje a quantos milhões de dólares?), e em 2004 eles pleiteavam “apenas” um bilhão. Sim, um bilhão, quantia que justifica um gigantesco ponto de exclamação, mas que para os vendedores de ilusões e opiniões representa pouco mais do que nada nesse saco sem fundo que é o erário público.
Esse capiau que rolou da serrania que circunda Grão Mogol, penou na seca do agreste pernambucano e depois aprendeu a fisgar piau nas até então puras águas do Gorutuba, não tem nada com isso, pois a maledicência é um pecado muito feio. No entanto, para não deixar sob o tapete da História o que não deve ser escondido, recorro ao insuspeito Nelson Werneck Sodré, que no livro A História da Imprensa no Brasil narra incompreensíveis e estranhos empréstimos concedidos pelo Banco do Brasil ao jornal O Globo, veículo que deu origem ao monopólio que hoje nos dita modas e modos.
Quem quiser detalhes, inclusive com números de registros cartoriais, que vá ao livro. Está lá, com todas as letras, o milagre da multiplicação que tornou uma velha rotativa Goss garantia para vários empréstimos que totalizaram, no final de 1950, mais de um milhão de dólares. Quem for bom de números que faça as contas e verá que, descontada a inflação, esse milhão de dólares seria hoje uma montanha de dinheiro.
Desse jeito não precisa ser nenhum gênio para criar um império, embora os manipuladores da verdade veiculem o contrário.

· Jornalistaherminioprates@ig.com.br

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