A verdade está de luto

*Hermínio Prates

Liberdade é ótima, desde que não ofusque o brilho das botas que usam para esmagar os lampejos dos idealistas

No dia 17 de junho o Supremo Tribunal Federal prestou (?) mais um desserviço à nação. É que os doutos togados, em conluio com os barões da mídia nacional, decidiram que o diploma para o exercício do jornalismo é dispensável e que qualquer um pode brincar diante das câmeras, nos microfones e nas redações. Isso para não falar no jornalismo virtual, pois a internet é terra de ninguém.
O argumento usado foi o de que não pode haver reserva de mercado e que a democracia deve assegurar a todos o livre direito de expressar opiniões. Lindo raciocínio se não estivesse pejado de sofismas. Ora, se os senhores do pretenso livre pensar fossem os democratas que se apregoam, por que combatem as rádios comunitárias, as televisões que não mercadejam espaços e opiniões e estrilam contra o surgimento de qualquer pequeno jornal que ouse pleitear anúncios na seara pública?
Liberdade é ótima, desde que não ofusque o brilho das botas que usam para esmagar os lampejos dos idealistas.
Jornalismo não é coisa séria, decidiram os aplicadores da lei. Sérios são aqueles que libertaram Daniel Dantas, perseguem o delegado Protógenes que denunciou a maracutaia, fazem vistas grossas às safadezas do Sarney e abusam do populacho quando nada fazem contra os cotistas do mensalão.
A verdade foi apunhalada, a sociedade usurpada, a mentira montou banca no consumismo da desinformação. Quem duvidar das implicações, quem não perceber a extensão da manobra que aguarde e sofra com as conseqüências. E dê adeus ao jornalismo que garimpava os fatos, desprezava as versões e jogava no time dos bem intencionados.
A verdade? Onde encontrá-la? Certamente não nos trôpegos textos dos deslumbrados que vão se intitular como jornalistas. “Só se forem jornalistas com g minúsculo”, como diria um dono de jornal na década de 70. Ele se julgava engraçado, mas nem percebia a troca do j pelo g, semianalfabeto que era.
Chiste à parte, fujo da tristeza do último dia 17 de junho e volto à década de 80, quando começou a moda de ex-jogador brincar de radialista. Uns e outros, com mais ou menos fama correndo atrás da bola, se julgaram no direito de falar bobagens nos microfones. Naquele tempo, escrevendo a coluna diária Microfone Aberto, no extinto Jornal de Minas (alguém se lembra?) denunciei o crime - crime sim senhor, consultem os alfarrábios - de falsidade ideológica. No início eram poucos: Pelé, Gerson, mais um e outro menos famoso. E aqui em Minas a afronta começou com o ex-goleiro Raul, na também extinta Rádio Jornal de Minas. Na época, o Sindicato dos Jornalistas exigiu providências da Delegacia Regional do Trabalho e o Raul foi impedido de dar um drible na lei. Anos depois, quando fui diretor do Sindicato dos Jornalistas e membro da Comissão de Fiscalização da Profissão, ainda na década de 80, também me preocupei com a invasão dos picaretas no exíguo mercado de trabalho. Otacílio Lage e o Aloísio Morais também faziam parte da Comissão e agiram com eficiência.
Aos poucos, infelizmente, os boleiros tomaram conta dos microfones, principalmente na TV. Depois de Rivelino e Mário Sérgio, apareceram Casagrande , Falcão, Júnior, Neto, Éder, Dario e outros que não foram tão bons com a bola nos pés, mas conseguem ser piores com o microfone nas mãos.
Os comentários são um primor de mediocridade. É um tal de “entrou dentro da área”, “saiu fora do campo”, a bola “subiu pra cima”, a “perca” da pegada, o apoiador que deve encostar um pouquinho mais no atacante, o ala que deve subir um pouquinho mais, isso um pouquinho mais, aquilo um pouquinho mais, já notaram? Duro mesmo é quando mencionam uma tal “filosofia” do treinador. Oh, por amor à sabedoria, deixem de filosofices.
E qual a finalidade de dar o microfone para esses ex-profissionais da bola? Não acrescentam nada ao que o torcedor já sabe, repetem chavões, frases feitas e, com a mesma potência que chutavam a esférica, agridem a já tão vilipendiada língua pátria.
Não, não é uma questão de intransigente defesa do mercado de trabalho ou de privilégios; é só uma tênue defesa dos nossos tímpanos, já tão agredidos pelo lixo musical das rádios e TVs. O que um mortal apreciador de futebol pode aprender com os tais “comentaristas”? Nadica de nada, pois se sabiam chutar uma bola - e disso ninguém duvida - não sabem falar como fazê-lo; parece que nada aprenderam sobre táticas, esquemas de jogo, essas abstrações que habitam o éter. A presença deles não seria apenas uma forma de continuar aparecendo e satisfazer o ego? Ou estão precisados do cachê pago pelo rádio e televisão?
O pior é que temos de suportar redundâncias e pleonasmos visuais, se assim posso me expressar. Acontece quando a tela mostra o jogador errando o chute e o narrador “informando” que o cara errou o chute; quando a bola escapa pela lateral e o repórter testemunha que “é lateral!”. E quando a transmissão é da TV Globo e o Galvão Bueno, diante disso e de mais aquilo, no mundo das eventualidades, “assegura” que “é do jeito que o fulano gosta?”
Não, não sou implicante. Até agradeço às ricas aulas de matemática que me proporcionam os sapientes do microfone. Exemplo? Quando o soprador de apito (árbitro? Só se for pras negas dele!) decide que teremos dois minutos de acréscimo (antes eles falavam “desconto”, lembram-se?), o dono da verdade conclui que “iremos aos 47 minutos”. É ou não é uma bênção? Eles não apenas sabem, como nos ensinam a descobrir que dois minutos somados aos 45 do tempo normal totalizam 47 minutos. Fantástico!..
Há exceções? Pode haver, mas desconheço. O endereço eletrônico está aí embaixo e quem puder e quiser esclarecer esse simplório profissional do texto pode dar o retorno. Enquanto isso, haja paciência com os corsários da mídia e que agridem a gramática.
E “seje” o que Deus quiser, como diria um ex-chutador de bola...
· Jornalista
(Ilustração:Waldez/Amazônica Jornal/Charge online/Divulgação)

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