Hobsbawm e a crise mundial


Em entrevista para Martin Granovsky, no jornal argentino Página 12, o historiador britânico Eric Hobsbawm fala da crise atual e de suas possíveis implicações políticas. Para ele, o mundo está entrando em um período de depressão e os grandes riscos, diante da fragilidade da esquerda mundial, são o crescimento da xenofobia e da extrema-direita. Hobsbawm destaca o que está acontecendo na América Latina e elogia o presidente brasileiro. ''É o verdadeiro introdutor da democracia no Brasil''. Em junho ele completa 92 anos. Lúcido e ativo, o historiador que escreveu Rebeldes Primitivos, A Era da Revolução e a História do Século 20, entre outros livros, aceitou falar de sua própria vida, da crise de 30, do fascismo e do antifascismo e da crise atual. Segundo ele, uma crise da economia do fundamentalismo de mercado é o que a queda do Muro de Berlim foi para a lógica soviética do socialismo.
Hobsbawm aparece na porta da embaixada da Alemanha, em Londres. São pouco mais de três da tarde na bela Belgrave Square e se enxergam as bandeiras das embaixadas por trás das copas das árvores. De óculos, chapéu na cabeça e um casaco muito pesado, cumprimenta. Tem mãos grandes e ossudas, mas não parecem as mãos de um velho. Nenhuma deformação de artrite as atacou.
Rapidamente uma pequena prova demonstra que as pernas de Hobsbawm também estão em boa forma. Com agilidade desce três degraus que levam do corrimão a calçada. Parece enxergar bem. Tem uma bengala na mão direita. Não se apóia nela, mas talvez a use como segurança, em caso de tropeçar, ou como um sensor de alerta rápido que detecta degraus, poças e, de imediato, o meio-fio da calçada. Hobsbawm é alto e magro. Uns oitenta e bicos. Não pede ajuda. O motorista do Foreign Office lhe abre a porta esquerda do jaguar preto. Entra no carro com facilidade. O carro é grande, por sorte, e cabe, mas a viagem é curta.
- Acabo de me encontrar com um historiador alemão, por isso estou na embaixada, e devo voltar – avisa. Ele chegou de visita a Londres e quis conversar com alguns de nós. Sei que vamos a Canning House. Está bem. Poucas voltas, não?
O carro dá meia volta na Belgrave Square e pára na frente de outro palacete branco de três andares, com uma varanda rodeada de colunas e a porta de madeira pesada. Por algum motivo mágico o motorista de cabelos brancos com uma mecha sobre o rosto, traje azul e sorridente como um ajudante do inspetor Morse de Oxford, já abre a porta a Hobsbawm. Entre essas construções tão parecidas, a elegância do Jaguar o assemelha a uma carruagem recém polida. O motorista sorri quando Hobsbawm desce. O professor lhe devolve a simpatia enquanto sobe com facilidade num hall obscuro. Já entrou em Canning House e à direita vê uma enorme imagem de José de San Martin. À esquerda do corredor, uma grande sala. O chá está servido. Quer dizer, o chá, os pães e uma torta. Outro quadro do mesmo tamanho que o de San Martin. É Simon Bolívar. E também é Bolívar o cavalheiro do busto sobre o aparador.Quanto chá tomaram Bolívar e San Martin antes de saírem de Londres para a América do Sul, em princípios do século 19, para cumprir seus planos de independência?
Hobsbawm pega a primeira taça e quer ser quem faz a primeira pergunta.
- Como está a Argentina? - interroga mas não muito, porque não espera e comenta – No ano passado Cristina esteve para vir a Londres para uma reunião de presidentes progressistas e pediu para me ver. Eu disse sim, mas ela não veio. Não foi sua culpa. Estava no meio do confronto com a Sociedade Rural.
Hobsbawm fala um inglês sem afetação nem os trejeitos de alguns acadêmicos do Reino Unido. Mas acaba de pronunciar “Sociedade Rural” em castellhano.
- O que aconteceu com esse conflito?
Durante a explicação, o professor inclina a cabeça, mais curioso que antes, enquanto com a mão direita seu garfo tenta cortar a torta de maçã. É uma tarefa difícil. Então se desconcentra da torta e fixa o olhar esperando, agora sim, alguma pergunta.
- O mundo está complicado – afirma ainda mantendo a iniciativa. Não quero cair em slogans, mas é indubitável que o Consenso de Washington morreu. A desregulação selvagem já não é somente má: é impossível. Há que se reorganizar o sistema financeiro internacional. Minha esperança é que os líderes do mundo se dêem conta de que não se pode renegociar a situação para voltar atrás, senão que há que se redesenhar tudo em direção ao futuro.
A Argentina experimentou várias crises, a última forte em 2001. Em 2005 o presidente Néstor Kirchner, de acordo com o governo brasileiro, que também o fez, pagou ao FMI e desvinculou a Argentina do organismo para que o país não continuasse submetido a suas condicionalidades. (Site Vermelho)

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