A CHAMA DA TRANSFORMAÇÃO

Apolo Heringer Lisboa





Minhas relações com o Zé Dirceu vêem desde a época de movimento estudantil e mais tarde na fundação do PT. Arrisco aqui a fazer um comentário sem querer fechar a questão nem ser maniqueísta.

Como escreveu um meu amigo e filósofo falecido há pouco, duas coisas lhe assombravam de admiração: as estrelas no Céu e a moral dentro do seu ser. Falo do grande Neidson Rodrigues, educador. Em minha trajetória política sempre aparecia a discussão: os fins justificam os meios. De formação evangélica das antigas, ficava perturbado na ditadura militar quando a guerrilha decidiu assaltar bancos pois expropriar me chocava, mas depois aceitei como moral, até baseado em Brecht, que dizia ser todo banqueiro um assaltante de banco. E outros exemplos históricos de assaltos para financiar a revolução e a resistência anti-nazista. Acho que o Zé Dirceu “amadureceu” a idéia, e isto ficou generalizado no PT do qual saí por isso, de que se “a luta continua” e se os objetivos do “proletariado” ainda não tinham sido conquistados, mas apenas a democracia burguesa, e se a burguesia é corrupta, então por que não continuar “assaltando bancos” através do estelionato, já que a situação permitia usar de menor violência física? Assim o objetivo seria conquistado, no caso a eleição de Lula, meio para realizar as mudanças. Sem o moralismo reacionário e burguês os fins continuariam justificando os meios! Mas paradoxalmente, para garantir a eleição contra o José Serra, foram feitos acordos em Washington que resultaram na indicação de Meireles para o Banco Central; foi feita a declaração de respeito absoluto aos contratos da era antiga que queríamos mudar; entraram no valerioduto com força total e desabridamente; foi feito o compromisso com Ciro Gomes de fazer o xodó da indústria da seca que é a transposição do São Francisco que envolve bilhões para esquemas, embora muita gente ainda não tenha percebido ainda a gravidade deste projeto de Tróia. Acho que o Zé Dirceu se tornou um operador de esquema onde poder e dinheiro eram suas ferramentas e seus objetivos, mas dentro de um projeto político. Uma vez uma ex-companheira do PT me chocou ao responder uma minha desesperada interrogação sobre a falta de respeito e solidariedade interna no PT durante as disputas eleitorais com baixarias: ela disse para todos que “movimento não tem coração”! ou seja, estamos no vale-tudo. Isto realmente me impressionou muito. E era católica praticante!.


Assim, acredito que o Lula só se elegeu por que o Zé Dirceu comandou o processo eleitoral e botou a mão na lama. O processo eleitoral é um lamaçal só. O Congresso Nacional, as Assembléias e Câmaras de Vereadores, as eleições de prefeitos, governadores e presidentes fazem parte deste esquema mafioso. Com isso o PT consumou sua mudança de natureza já esboçada desde antes timidamente. Assim, o que temos que discutir é a natureza desta nossa democracia. Ela seleciona os espertalhões. Ela une a escória e no meio desta escória há gemas preciosas que acreditam ser este o único caminho e não se importam de sujar. Mas na verdade legitimam o processo e se beneficiam dele como vestais de fachada. Apesar de ser um militante político já “histórico” eu não dei conta de lidar com isto, dentro e fora do PT. Retirei-me das disputas eleitorais e dos partidos, não da luta política. Não consigo vencer as barreiras morais, como só dizer a verdade, e ser sincero com as pessoas, embora tenha meus defeitos, como ser às vezes muito duro na linguagem. Aceito e proponho discutir e fazer alianças políticas, desde que sejam transparentes e absolutamente públicas; não sou sectário; tudo precisa ser publicizado e a sociedade ter conhecimento. Na ditadura não escondíamos que estávamos invadindo os bancos e que o dinheiro era para custear a luta contra a ditadura; os seqüestros não de inocentes, mas de embaixadores das grandes potencias, para libertar presos sob tortura. Mas numa democracia formal como hoje, democracia para quem tem muito dinheiro, parlatório livre e vazio, melhor que ditadura militar estou convencido, ações de corrupção e acordos políticos secretos ao arrepio da sociedade, são, para mim inaceitáveis e merecem nosso total repúdio. Estas práticas viciam o cidadão e os torna bandidos também. A ruptura dos limites éticos são definitivos quando são escondidos da sociedade e feitos em bandos, não que a democracia atual seja merecedora de respeito ético, mas o processo de transformação social não se coaduna com tais métodos, que na verdade marginalizam a salutar participação social, coopta lideranças de má composição “genética” e semeia o descrédito nas propostas. A sociedade precisa resistir ao poder e ao dinheiro e manter nas mãos a chama da transformação e de um mundo melhor para todos.


(*) Apolo Heringer Lisboa é médico, responsáel pelo Projeto Manoelzão, da UFMG

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